PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 7 de Janeiro de 2007

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2006-2007

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007

 

PROVA Nº 2

 

SMALUCO NO CASINO

Autor: Inspector Boavida

 

Treze. Treze anos de prisão efectiva foi a pena “decretada” pelo Tribunal. Natália Vaz ouviu a sentença e quedou-se muda a olhar no vazio. Treze, o seu número da sorte, o seu talismã, caiu brutalmente nos seus ouvidos e ecoou fundo na memória do seu passado. Treze – ouviu –, e baixou os olhos, triste, melancólica, talvez até envergonhada e decerto arrependida do crime cometido. Treze! – repetiu entre dentes  –,  e depois sorriu, meiga e docemente, para o detective Smaluco, sentado no meio da assistência, que a conheceu exactamente numa alegre e festiva madrugada de um dia 13!... no pós-25 de Abril, em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso).

Naquele remoto dia, Smaluco encontrou-a em Alfama, nos festejos de Santo António, no meio de um grupo de jovens actores que comemorava o padroeiro de Lisboa, o aniversário de Natália e o retumbante sucesso da estreia de mais um espectáculo que havia subido à cena naquela noite num velho teatro da capital. Ele ficou “vidrado” nela assim que a viu. Já a tinha visto em cena numa peça de Gil Vicente e achou-lhe pouca graça como mulher, mas ao vê-la ali, ao vivo, tudo era diferente… Como ela era bonita, santo Deus!

A jovem actriz tinha um encanto especial no olhar, no sorriso. Havia abandonado as pinturas, não tinha o mais leve toque de maquilhagem, nem vestígios de bâton ou mesmo de rímel… Ela estava ali ao natural, linda, sensual. Smaluco perdeu a timidez, fez-lhe um rasgado elogio sobre as suas excelentes qualidades de actriz e reclamou um autógrafo. Ou melhor, uma foto autografada. Conversa puxa conversa, uma sardinha para cada um em dois nacos de pão, uma salada mista a meias, uma garrafa de cerveja de boca em boca e a química aconteceu…

Duas horas depois de se terem conhecido, Smaluco e Natália prolongavam a festa de aniversário da actriz, os dois a sós, em plena Sala de Jogos Tradicionais do Casino Estoril. A roleta foi o jogo escolhido. Ele não acertava com os números da sorte e ela divertia-se por entre dezenas de jogadores, de dois copos (o dele e o dela) na mão, bebendo um gole por cada aposta falhada, alternando de copos, enquanto a boca dele secava de tanto azar. O 13 era invariavelmente o número em que Smaluco colocava as suas fichas e o resultado continuava inalterável: perdia! Natália ria, cada vez mais alto, naturalmente por causa das borbulhas do espumante rasca que se vendia no bar e por via do nervoso miudinho que se apoderara dos seus sentidos.

Faltava apenas uma hora para o encerramento do Casino. A banca da roleta número 13 anunciou que ia reabrir para as últimas jogadas da noite. Quase todos os jogadores que se encontravam nas roletas mais próximas correram em debandada para lá. Azarados e sortudos, jogadores de ocasião ou viciados, gente de grandes fortunas ou pobres de espírito buscando na sorte do jogo a saída do seu infortúnio, todos correram para a banca. “Nada mais” ouviu-se. Fez-se um silêncio quase sepulcral. “Treze.” Saiu finalmente o número 13. E foi a festa! Natália deu gritos, saltos, urros, e distribuiu beijos e abraços por toda a gente.

O detective estava incrédulo. Esfregava os olhos. Nem queria acreditar no que estava a acontecer. Pediu até a Natália que o beliscasse. Mas…, e por esta é que ele não contava, estava apenas uma ficha no 13 e, azar dos azares, foram três os jogadores que reclamaram o prémio: Smaluco, um homem de óculos fumados e um sujeito de laço. Como os três tinham vindo de bancas diferentes, por casualidade todos eles tinham fichas da mesma cor: bordeaux. Gerou-se alguma confusão e foram os três chamados ao gabinete do fiscal de sala para esclarecimento e resolução do problema.

Smaluco estava absolutamente convencido de que apostara no 13, número em que tinha vindo a colocar as suas míseras fichas de 20 escudos nas várias jogadas feitas nas outras roletas, em homenagem à sua companheira de jogo, que fazia anos naquele dia 13 de Junho de 1975. Tinha decidido trocar uma ficha de mil escudos por duas de 500, decidido a apostar cada uma delas em duas derradeiras jogadas, antes de partir com a “sua” Natália à descoberta de mais uma madrugada sem rumo certo, mas que prometia tornar-se inesquecível para ambos. Porém, como estava mais ou menos bem bebido, pode eventualmente ter acontecido qualquer lapso e ter apostado noutro número, mas não o confessa.

O homem dos óculos fumados dizia não ter a mínima dúvida de que apostara em pleno no número 13, assim como o fizera em todos os outros números de cor vermelha. Isto porque são 18 os números com aquela cor e eram também 18 as fichas que tinha na mão quando resolveu fazer a sua última jogada da noite. Já tinha perdido perto de cem mil escudos e havia decidido abandonar a sala de jogos antes que a sorte madrasta que o acompanhara durante toda a noite desse cabo do pecúlio que tinha amealhado nos dias anteriores na Bolsa de Valores de Lisboa, em cinco jogadas de mestre que lhe valeram boa maquia.

O sujeito do laço também não abdicava do prémio. Um pleno no 13, que lhe dava direito a 36 vezes 500 escudos, o que perfaz a bela quantia de 18 mil escudos (o que para a época era bastante dinheiro). E ele estava absolutamente certo de que apostara no número 13 porque, segundo disse, registara-se uma situação bastante curiosa e feliz na ocasião da aposta: ele tinha posto duas fichas no número 12, mas um outro jogador tocou inadvertidamente com a manga do casaco numa das fichas, ao de leve, e esta foi parar no número que fica mesmo ao lado. Como uma das fichas continuou no seu número preferido, achou que devia deixar lá ficar a outra, no 13, não fosse a sorte estar a bater-lhe à porta e ele não a franquear!

O fiscal de sala sorriu, enigmático mas profundamente incomodado com a situação, olhou directamente para dois dos jogadores e perguntou-lhes calmamente se queriam sair pelos seus próprios pés, sem sofrerem qualquer consequência pelo sucedido, a não ser a proibição de voltarem a entrar no Casino, ou se preferiam que ele chamasse o representante da Inspecção-Geral de Jogos e, claro, a polícia. É óbvio que os dois jogadores em questão abandonaram imediatamente o Casino, de mansinho e sem qualquer reclamação. Mas quais foram eles e como foi que o fiscal descobriu que estavam a mentir?

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO