PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 20 de Maio de 2007 |
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Campeonato Nacional Taça de Portugal 2006-2007 |
CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007 PROVA Nº 7 GUARDA-ME A ÚLTIMA DANÇA Autor:
Peter Pan
Ao nosso querido capitão Dic Roland… que
possa estar algures num sítio bonito como o Tahiti… O Esmeralda estava ancorado
na baía de Cook desde essa manhã. Era uma visão magnífica aquele grande
veleiro enquadrado pelo recorte da vegetação e das montanhas vulcânicas de Moorea. Era a beleza indescritível do Tahiti no Pacífico
Sul. Eu estava no clube Bali Hai, ali nas margens da
baía e desfrutava daquele espectáculo. No dia seguinte, os hóspedes do clube
foram presenteados com um convite do Comandante do Esmeralda para um baile no
convés do navio ao princípio da noite. O ambiente era
informal mas de alguma forma solene, pelo menos ao princípio. A banda do
Esmeralda já tocava quando as pessoas começaram a subir. Tínhamos que
percorrer uma curta distância, desde o clube até ao veleiro, num pequeno
barco a motor. As pessoas amontoavam-se no pequeno cais do Bali Hai à espera da sua vez.
Havia muitos americanos e foi rodeado por alguns desses casais que fiz a
curta viagem. O Esmeralda estava
engalanado com fitas e balões e tanto a tripulação como a banda exibiam os
altivos uniformes. O comandante era um indivíduo cortês e de trato simples e
agradável. Percebia-se que os cadetes o tinham em grande respeito e mesmo nas
brincadeiras e ditos a que pude assistir eles sabiam bem até onde podiam ir.
Quando finalmente o convés da popa se encheu e estava literalmente
transformado em pista de dança, a banda do navio-escola
irrompeu a tocar em tutti uma célebre melodia de
salsa chilena e a inibição inicial das pessoas desapareceu por completo. A noite começava a
cair e nas margens eram cada vez mais intensas as luzes das casas ao redor da
baía. E também cada vez mais nítido o brilho único das estrelas no céu do
Pacífico Sul, algo impossível de apagar da nossa memória. O baile decorria
cada vez mais animado e o ambiente estava fantástico. Havia um sector do
convés onde um cadete barman improvisado servia cocktails e bebidas de várias
cores. Eu perdia-me por piñas coladas e foi depois
de duas ou três que me apercebi da chegada de Vaiani.
Soube depois o seu nome embora não tenha tido oportunidade de chegar perto
dela. Os cadetes estavam autorizados a confraternizar e havia um número
bastante razoável de raparigas, entre americanas, francesas e algumas
nativas. Vaiani era uma delas. Teria os seus 20
anos e, apesar da simplicidade em geral das mulheres tahitianas,
tinha porte altivo e uma grande auto-confiança que só a juventude pode
conferir. O seu olhar era de cortar a respiração. Vinha com a grinalda tahitiana na cabeça, o colar de conchas e o pareo que lhe envolvia o corpo esbelto. A partir da sua
aparição concentrou todas as atenções. E não eram só os cadetes a requisitar
os seus braços; vários turistas, americanos sobretudo, tiveram a sua
oportunidade. A certa altura um dos cantores de serviço da banda inflectiu
dos temas latino-americanos e começou com um tema conhecido, ainda assim bem
a condizer no seu carácter festivo. A canção perfeita, diria; feliz,
insinuante, ingénua e malandra ao mesmo tempo e embalados por aquela alegria
contagiante só apetecia dançar e seguir aquele som por todo o lado; o nome
dessa melodia: Save the last dance for me. Um largo sorriso meu acompanhou a
figura de Vaiani ao som daquela canção. Apesar de
muito solicitada, ao fim de um certo tempo percebi que alguns dos cavalheiros
começavam a conseguir mais danças com Vaiani. Um
deles era um oficial do Esmeralda, um indivíduo alto e bem parecido e de uma
tez tipicamente sul-americana. Destacava-se aprumado no seu belo uniforme
branco e era um dançarino exímio. O segundo era um turista americano que me
lembrava de ver no Bali Hai,
um sujeito loiro, ainda novo e do tipo folgazão. O terceiro era um francês
que esteve uma boa parte do tempo junto de comandante e soube mais tarde que
era o representante das autoridades locais naquele evento. Nenhum dos três
teria mais de 30 anos e a presença de Vaiani era um
chamamento irresistível. Mais tarde, alguém
me disse que a jovem descendia de antepassados da realeza tahitiana,
ainda antes da Polinésia se transformar num protectorado francês. E apesar da
confusão era difícil não olhar para a beleza daquele corpo em movimento.
Mesmo o grupo de pessoas mais próximo do comandante, entre os quais um alto
nativo tahitiano, de magnífico porte atlético,
seguia-a com atenção. Este parecia estranhamente sério e alheado da folia
incontrolada em redor. Algum tempo depois,
o comandante e várias pessoas deixaram o convés e, pelo que soube, desceram
para os seus aposentos na popa para um brinde especial e mais em privado;
aquela jovem tahitiana, de colar de flores de tiaré, foi uma delas. Eu, nessa manhã, tinha tido a
oportunidade de conhecer o barco e havia-me sido facultado um prospecto com a
planta dos compartimentos em baixo. Tinha estado uma boa parte da tarde a
estudar o interior da Dama Branca por pura diversão. E foi por impulso e sem
ser convidado que tentei seguir aquele grupo. Ainda consegui descer mas fui
barrado, no corredor em baixo, no local da Detallía.
Aí, um cadete estava a controlar a passagem e, ao ver o gabinete da Detallía aberto, perguntei ao oficial subalterno que lá
estava se podia entrar. Ele foi simpático e disse que sim e estivemos um bom
bocado à conversa. Penso que entretanto
terei perdido a noção do tempo e da festa que decorria lá em cima e da outra
mais privada, ao longe, no fundo do corredor. O oficial da Detallía chamava-se Cid Geraldo
e em breve nos tornámos bons amigos. Reforcei a ideia de os chilenos serem
uns tipos bem calorosos e sempre prontos para um naco de conversa. A porta
ficara aberta e eu estava sentado e podia ver todo o corredor, ao longo, até
ao local da cabine do comandante. Só havia outra saída visível, a meio do
corredor, para o convés da popa, em cima, para além daquela do ponto onde
estávamos. Durante uma boa meia hora estive à conversa com o meu novo amigo,
até que um cadete o veio substituir. Geraldo disse-me que podia continuar a
ver a carta da rota de el buque,
que ele não demoraria. Vi-o ir até ao fundo do corredor e entrar na sala de
estar do comandante onde decorria o convívio VIP. O cadete que ficou comigo
embrenhou-se com uns papéis e eu por uns minutos abstraí-me
do corredor e fiquei a consultar a rota e o mapa da região que tinha entre
mãos. A verdade é que Geraldo não voltou. Normalmente os
oficiais acompanhariam o seu comandante se saíssem com ele. Por fim a
comitiva que estava com o comandante deixou os seus aposentos. Ao chegar
diante da Detallía e rumo ao convés em cima,
reparei em algo curioso: excepto uma das personagens, não vi passar Vaiani, nem o oficial chileno ou o turista americano que,
soube mais tarde, era um cantor canadiano de Vancouver, no início da sua carreira
internacional; eram os mesmos que haviam tido a sorte de melhor conhecer os
encantos da bela nativa tahitiana. Esperei ainda um
pouco. Lá em cima ouvia-se perfeitamente uma voz que cantava um tema de Cole Porter e não era em castelhano ou em inglês com sotaque.
Pensei ainda em todos aqueles homens que podiam sonhar com Vaiani e percebi afinal que todos eles se tinham
dispersado por locais diferentes. Quando, algum tempo depois, também eu
voltei para cima, começava a ser tempo de despedida. Ouvia-se de novo
“Guarda-me a última dança”. Nos céus tinha começado um breve mas glorioso
espectáculo de fogo de artifício ao redor da baía e de el
buque. Bebi ainda uma taça de champanhe para coroar
aquele momento inebriante de total alegria. E foi ao aproximar-me da amurada
que vi então Vaiani. No bote que nos trouxera do Bali Hai ela ia com um homem
que a acompanhava e eu, que não a tinha visto chegar, sorri ao som de uma
canção. Pergunta-se: 1 – Quem levou Vaiani para terra e com ela o seu coração? Concretize a
sua resposta. 2 – Localize os
“suspeitos por Vaiani” quando voltámos a subir. Identificação dos
locais do navio de acordo com o mapa de bordo, em língua espanhola: 1 – Cámara Comandante (onde decorria o brinde com os
convidados especiais) 2 – Camarote
Comandante 3 – Repostero Comandante 4 – Camarote de Oficiales 5 – Camarote Segundo
Comandante 6 – Detallía 7 – Servomotor 8 – Cámara Oficiales 9 – Camarote de Oficiales - Bajo |
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© DANIEL FALCÃO |