PÚBLICO – POLICIÁRIO Publicação: “Público” Coordenação: Luís Pessoa Data: 25 de Fevereiro de 2007 |
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Campeonato Nacional Taça de Portugal 2006-2007 |
CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007 PROVA Nº 4 UM CADÁVER NA PISCINA Autor:
Mr. Ignotus
Abri as persianas para olhar o tempo: estava uma daquelas manhãs radiosas de Primavera. Tudo convidava a um encontro com a natureza, tanto mais que era domingo e não teria de ir trabalhar. Dispus-me a ir tomar o pequeno-almoço a uma esplanada próxima e, depois, a dar um passeio pelo parque, retardando a hora de almoço, para compensar o tempo que ficara a preguiçar na cama. Ainda meio ensonado, liguei a rádio para ouvir as notícias e fiquei logo com a sensação de que o meu dia não ia ser assim: numa moradia, em Cascais, aparecera o cadáver de um homem a boiar na piscina, suspeitando-se de assassinato. Os donos da casa estavam de férias no estrangeiro e quem chamara a polícia fora o jardineiro. Antes de sair telefonei para a PJ e um amigo confirmou a notícia, indicando-me o local. Modifiquei logo os meus planos: iria tomar o pequeno-almoço e, depois, rumaria a Cascais. O sol já aquecera bem a manhã quando me sentei, debaixo do chapéu da pastelaria, para comer uma torrada mal passada e beber um café. As árvores em volta já tinham tenras folhas e, como o trânsito era pouco, podiam-se ouvir os pássaros a cantar. Chovera até quase o dia clarear e, talvez por isso, parecia que a natureza estava plena de pujança, com tudo muito verde e fresco. O café despertou-me; voltei a olhar o papel onde rabiscara a morada e confirmei a ideia que, de repente, me veio à cabeça: a moradia era a de um casal amigo, e até já nadara na tal piscina! Liguei pelo telemóvel e atendeu-me a criada que, reconhecendo-me, não só confirmou as minhas suspeitas como acrescentou que a casa estava num pandemónio, com polícias por toda a parte, permanentemente a massacrá-la com as mesmas perguntas. Procurei tranquilizá-la e disse-lhe que, em breve, passaria por lá. Ainda estava ao telemóvel quando senti o sinal de que alguém tentava contactar-me. A ligação era do Inspector Lucas: “Então já sabes a notícia? Para ainda não teres aparecido é porque te levantaste tarde… Dá um salto até cá, que tenho um caso de que vais gostar.” Meia hora depois estava a tocar à porta da vivenda. Um polícia acompanhava a criada Dolores, que rejubilou com a minha presença e com o saber que era amigo do Inspector. “Isto está um inferno! Estou farta de dizer a toda a gente que não sei nada, porque nem cá estava. Como os patrões não estão fui dormir a casa. Só soube o que se passava quando me telefonaram a mandar vir para cá.” O Inspector Lucas fez-me um rápido ponto da situação: às oito e doze fora recebida a chamada do jardineiro Ambrósio participando que, quando se preparava para limpar a piscina, vira um corpo a boiar. Pensando que ainda poderia estar vivo tirara-o da água, logo se apercebendo que já há muito tinha morrido. Tal como Dolores, declarou não conhecer o morto. Também a polícia ainda não sabia de quem era o cadáver, pois não fora encontrada qualquer identificação. Segundo o médico legista, a vítima sofrera uma pancada na nuca, que lhe provocara forte hematoma, não podendo ainda precisar se este fora a causa da morte ou o afogamento. Tudo devia ter ocorrido pelo meio da madrugada. Para o inspector, a vítima não era dali e admitia mesmo que
fosse estrangeira, quer pelo aspecto físico, quer pela roupa que usava.
Pressentia que os empregados (ou pelo menos um deles) sabiam como a morte
ocorrera. Nenhum tinha álibi para a provável hora do crime – pois já não
tinha dúvidas que se tratava de tal –, alegando que estavam em casa, a
dormir. Ele na vivenda, onde tinha quarto, ela Uma certeza já tinha obtido com a acareação que lhes fizera: tinham uma secreta relação amorosa, que os levava a, mutuamente, se tentarem encobrir, revelando ambos grande inquietação. ui ver a zona da piscina. O cadáver permanecia na relva do lado mais próximo da casa. A borda da piscina, de mármore branco, estava impecavelmente limpa, como sempre a conhecera; a água muito azul era um convite; toda a zona envolvente estava como eu a conhecia. Nada de dissonante era visível A polícia identificara pegadas do morto junto à borda da piscina, e também das botas que Ambrósio ainda calçava. Por baixo do cadáver estava uma faca, de lâmina curta e forte, ainda com a etiqueta da casa onde fora comprada. Pedi ao inspector que chamasse a criada, a quem perguntei a nacionalidade, pois, pelo ligeiro sotaque, sempre pensei que não era portuguesa. “Nasci no Brasil mas como tinha uma vida miserável, pois ganhava pouco e o homem me chegava o pau, fugi e vivo cá há dez anos. Arranjei logo trabalho nesta casa e já nem saudades tenho de lá.” “E do seu homem, nunca mais soube nada?” “Nem quero! Antes da minha mãe morrer o Honório ainda aparecia lá por casa a perguntar por mim. Dizia que me queria muito, mas fartou-se de me bater. Era muito bravo. Agora, há mais de um ano que não recebo notícias…” Depois foi a vez de Ambrósio, a quem pedi que me repetisse o relato do fizera até agora. “Como já disse à polícia, levantei-me cerca das oito horas.
Arranjei-me, tomei o pequeno-almoço, pus a secar a roupa que ontem molhei e
fui à arrecadação buscar o carrinho com as coisas para limpar a piscina. Quando
aqui cheguei vi o homem a boiar. Puxei-o para a relva e, como já estava
morto, fui telefonar à polícia, que me disse para não tocar Perguntei-lhe se sabia que a Dolores era casada. Disse-me que ela lhe contara que fugira do Brasil por ele ser muito mau e ciumento. Que até jurava matá-la, e ao rival, se soubesse que tinha outro homem. Convidei o inspector a dar uma volta à casa. No estendal das traseiras secava um fato de macaco, completamente molhado; na arrecadação tudo perfeitamente arrumado. Estava a observar algumas ferramentas, que ainda estavam húmidas, quando apareceu um agente a informar que junto ao muro havia pegadas, como se alguém o tivesse escalado, para forçar a entrada na moradia. Fomos ver e, pelo caminho, perguntei-lhe se suspeitava quem era o morto, quem o assassinara e como devia ter acontecido o homicídio. Expus-lhe a minha teoria. Ouviu-me com a habitual atenção. Depois fez uns telefonemas e quando, tempo depois, obteve uma resposta, disse-me que começava a fazer-se luz sobre todo aquele mistério. Será que os nossos detectives também já podem responder às perguntas que fiz ao Inspector Lucas? |
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© DANIEL FALCÃO |