PÚBLICO – POLICIÁRIO

 

Publicação: “Público”

Coordenação: Luís Pessoa

 

Data: 12 de Agosto de 2007

 

Campeonato Nacional

Taça de Portugal

2006-2007

 

Regulamentos

 

Prova nº 1

Prova nº 2

Prova nº 3

Prova nº 4

Prova nº 5

Prova nº 6

Prova nº 7

Prova nº 8

 

Resultados

 

 

CAMPEONATO NACIONAL 2006/2007

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 8

 

O INSP. FIDALGO E O CASO “ANAQUICOÍNES”

Autor: Inspector Fidalgo

 

A cena parece surrealista, tipo cinema mexicano, bem ao estilo das espionagens à portuguesa, com espiões que no fundo não sabem fazer as coisas, mas vão improvisando. No final tudo há-de dar certo e, se não der, terão a sua recompensa na mesma, porque alguém lhes encobrirá as costas, desde que seja cumprido o objectivo traçado.

O Inspector Fidalgo já sabia que ia ser assim.

Ao verificar a história, entendeu desde logo que por ali havia coisa de “secretas” e não adiantaria fazer grandes ondas porque não haveria interessados em reclamar a vítima – os espiões estão sempre fora das rotas dos governos e das organizações a que pertencem e mais depressa viriam todos dizer que não os conheciam de lado nenhum!

Portanto, tudo acabou por correr às mil maravilhas para eles.

A linha do comboio é naturalmente ficcionada, mas a composição estava do lado certo – em Portugal os comboios circulam pela esquerda –, e um tiro dado naquela direcção poderia estilhaçar o vidro e atingir a composição que circulava em sentido inverso se a vítima fosse atingida quando estava em pé.

Temos, pois, o primeiro erro na descrição da cena; “o desgraçado” não estava sentado quando foi atingido porque foi a mesma bala que foi disparada à queima-roupa que estilhaçou o vidro. Se a moça estava em pé e o “desgraçado” sentado, o tiro seria de cima para baixo e não chegaria ao vidro.

Depois, a moça não poderia ter andado por ali descalça por cima de estilhaços de vidro e não apresentar cortes nos pés, nem sinais de sangue no chão por onde passou. Acresce que os sapatos estavam alinhados por baixo do banco, em boa ordem e com estilhaços por cima, sinal que sempre ali estiveram durante toda a cena. Também o corpo da moça estava com estilhaços de vidro em cima, o que não seria natural se ela tivesse sido a última a cair, como suportam os dois “artistas” da mentira.

Mais ainda quando estão de acordo com a indumentária da moça e com o modo como ela se movimentou na carruagem. Vestia roupa simples, muito justa, fez uma espécie de dança, talvez sensual, quem sabe, deu uns passos em frente, na direcção de um deles e… disparou!

A menos que houvesse magia, até porque os dois a seguiram gulosamente com o olhar, ao que afirmam, não há espaço para uma arma.

Como seria ilógico uma pessoa que estivesse à beira de cometer um homicídio andar a chamar as atenções com bailados exibicionistas e provocadores, como diziam.

Quanto ao livro, não confere o seu posicionamento com a história contada. Se a queda foi no final, não era lógico que o livro estivesse por baixo do corpo, mas sim à distância, debaixo de um banco, mesmo em cima dele. O livro caiu primeiro e logo depois o corpo.

 Na verdade, a moça tinha de transportar alguma coisa, pois ninguém viaja sem nada em viagens longas – ela descalçou-se –, sem documentos ou bilhete, apenas com uma arma sem esconderijo e um livro. Foram eles que fizeram desaparecer os seus pertences, certamente para empatar a investigação, porque eles não poderiam saber que ela ia ficar amnésica. Escapou o livro porque não estava à vista e não se lembraram dele.

O somatório de todas estas pequenas coisas fornecem-nos a prova de que nada se terá passado como os dois comparsas referem.

A primeira vítima foi a própria moça, agredida numa fase anterior, pela arma que mais tarde serviu para matar e foi arremessada pela janela. Só assim se justificam as células e cabelos dela. Uma vez caída no chão, fizeram desaparecer todos os seus objectos, a que terá escapado o livro por estar por baixo dela.

Outro factor importante é o facto de ambos se precipitarem para a moça e nenhum deles ter a curiosidade de ir ver – segundo eles – a vítima alvejada! É que a moça já estava “desactivada”, atirara com a arma pela janela, não representava qualquer perigo, pelo que seria lógico que se debruçassem sobre o desgraçado e não sobre o agressor.

E que dizer do facto de um dos sobressaltados passageiros se lembrar de ver os dois comparsas a sacudir os estilhaços de vidro de cima da moça? É que se trata de uma reacção imprópria que alguém se fosse preocupar com esse aspecto quando tinha pela frente um assassinado a sangue frio e um assassino que caiu com estrondo. Eles perceberam que fizeram ao contrário do que deviam e que nunca a moça deveria ter ficado por debaixo dos estilhaços.

Finalmente, um pormenor importante, a amolgadela no cocuruto da cabeça não é compatível com uma queda “redonda”. O cocuruto seria, mesmo, a zona menos provável para se aleijar numa queda destas características…

Da arma que serviu para o crime nada nos é dito e, por isso, não temos que andar à procura de cápsulas espalhadas pela carruagem. Poderia ser uma pistola, um revólver…

Finalmente, o enigma maior, que vai matar a cabeça de muitos “detectives”: ANAQUICOÍNES!

O Inspector Fidalgo gostava de brincar com os nomes e sempre que podia fazia associações de ideias. Lembrava-se da confusão que em miúdo sempre fazia entre o 2 e o N (maiúsculo), quando manuscritos. Tinham o mesmo desenho, um em pé, outro deitado, por assim dizer… Daí que ANA fosse para ele 121 (letra A, primeira do alfabeto, logo, 1), precisamente a página que lhe chamou a atenção no livro aberto… Depois, QUIC tinha a fonética de rápido em inglês, que Fidalgo logo associou a “expresso”, ao expresso do livro e depois tinha as rainhas, uma delas a própria Agatha Christie e a outra a que estava amnésica, e aí o Fidalgo foi encontrar COÍNES, cuja fonética condiz com o inglês QUEENS… E inglês porquê? Homenagem à escritora, evidentemente!... “121EXPRESSORAÍNHAS”.

Mas calma, “detectives”, esta parte final vai ser perdoada! Digamos que o nome apareceu do nada ou de algo que muito diz ao Inspector Fidalgo, mas que ele não quer partilhar…

Uma palavra final para o Ministério Público, que, pelos vistos, ainda não sabe de nada do que se passou, nem suspeita. Esperar pelos exames médicos para quê? Não era óbvia a inocência (pelo menos criminal) da nossa Anaquicoínes?

Afinal, o Inspector estava em muito boa forma…

 

 

© DANIEL FALCÃO