Publicação: “Público”

Data: 23 de Outubro de 2011

 

 

Campeonato Nacional 2011

Taça de Portugal 2011

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2011

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 9 (PARTE I)

 

CRIME EM TEMPO DE GUERRA

Autor: Búfalos Associados

  

Eis a síntese das respostas ao problema por parte dos amigos do Inspector Garrett, enquanto bebiam os cafés:

1 – Não havendo provas concretas temos de raciocinar no campo das hipóteses. De resto é esse o sentido da pergunta que nos é feita. Única certeza: o disparo terá sido antes das 16 horas.

2 – Todas as pessoas envolvidas poderiam ter motivos para matar o Jorge: o João, o Edgar ou o Abílio podiam ter provocado um ajuste de contas com o Jorge, por suspeitarem de ter sido ele o delator que os teria denunciado à Pide. A Louise aparenta ter, ou ter tido, uma relação íntima com o Jorge e isso poderia justificar uma cena violenta que conduzisse ao crime. O próprio pai Meyer não está afastado das suspeitas (tinha uma chave da casa), nem sequer o Inspector Garrett, embora no caso deste não se divisem motivos.

3 – Assim sendo, vejamos quem talvez tenha a possibilidade de apresentar alibi. O Abílio poderá ter o testemunho dos primos do Café na estrada de Catete, onde teria estado toda a tarde. Até trouxe dois abacaxis de presente. Não é suspeito para já.

 4 – O João acompanhou as bagagens ao R.I.L., onde esteve até às 16h00 e foi mesmo visto pelo Garrett. Saiu e chegou ao apartamento pelas 16h30. Não teria tido tempo para cometer o crime.

5 – A Louise poderá ter o testemunho das amigas com quem esteve na praia e depois em casa delas.

Quanto ao pai pouco ou nada sabemos. Mas o texto iliba-o, bem como à filha, ao indiciar um culpado militar. Caso contrário não se justificaria que a censura tivesse abafado o caso “para não deixar a tropa mal colocada”.

Seria muito pouco abonatório para o regime tornar público um ajuste de contas com origem em divergências políticas, como já se adivinha, entre oficiais do Exército.

 6 – O Inspector Garrett não deve ter encontrado nenhuma estação de Correios aberta e acabou por ir ao R.I.L. telefonar à mãe. Não parece ser culpado, até porque não sabemos de motivações para o crime.

7 – Só o Edgar Valente não apresenta qualquer hipótese de alibi.

Ainda por cima, quando, ainda da porta, levou as mãos à cabeça num gesto de horror, mostra ter as mãos desocupadas não parecendo portanto ter feito quaisquer compras, contrariamente ao que tinha anunciado.

Onde terá estado durante aquelas quase quatro horas se não foi às compras?

 8 – Por que razão Garrett teve dificuldades em encontrar uma estação de correios aberta e o Edgar não poderia ter ido às compras? Muito simplesmente porque o dia 19 de Agosto de 1962 foi um domingo e o comércio em Luanda estava todo fechado, bem como os correios, como era usual na época. Finalmente, um facto concreto, que faz recair sobre o Edgar, desde logo, as suspeitas do crime, mais do que sobre qualquer um dos restantes intervenientes.

E é bem exagerada a sua reacção, da porta, ao “saber” da morte.

“Muito bem” – disse o Inspector Garrett – “a vossa dedução está perfeita. Efectivamente o que aconteceu foi que o Edgar Valente tinha fortes desconfianças de que fora o Jorge quem o denunciara à Pide e, ao chegar a Luanda, resolveu pôr tudo em pratos limpos. Sem se lembrar de que era domingo, inventou aquela desculpa de ter de ir às compras e, mal desembarcou, foi logo directo ao apartamento onde o Jorge nos esperava.

A discussão aqueceu, o Jorge terá confessado a sua culpa e a pistola Walther ali pousada à mão criou a oportunidade para o crime.

De notar que naquela época a familiaridade dos militares com armas tornava normal que elas estivessem quase sempre pousadas em locais de fácil acesso.

O mais curioso da história foi o que se seguiu. O Edgar foi acusado e julgado em Tribunal Militar, mas influências tendentes a abafar casos políticos e a proteger a identidade de informadores da Pide fizeram com que apenas fosse condenado a dois anos com pena suspensa, por negligência no uso de armas de fogo.

Foi depois compulsivamente passado à disponibilidade, mas nunca mais deixou de ser perseguido pela Pide, tendo acabado os seus dias no Tarrafal.

“Malhas que o Império tece”, como dizia o poeta. Neste país ainda há muitas histórias para ser contadas”.

E Garrett acabou por pedir outro café porque o seu entretanto arrefecera.

© DANIEL FALCÃO