Publicação: “Público” Data: 4 de Setembro de 2011 Campeonato Nacional 2011 Taça de Portugal 2011 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2011 PROVA Nº 9 (PARTE I) CRIME EM TEMPO DE GUERRA Autor: Búfalos
Associados
“Luanda era uma cidade estranhamente calma em Agosto de 1962, quando ali desembarcámos. Ninguém diria que, a algumas dezenas de quilómetros, havia uma guerra. Quatro garbosos mancebos recentemente promovidos a alferes milicianos, tínhamos feito juntos o COM e, mobilizados para Angola em rendição individual, sulcáramos o Atlântico com a cabeça cheia de inquietações e receios. Nunca esquecerei o dia em que chegámos e não só por ser o dia dos anos da minha mãe: 19. Também ficará para sempre na minha memória por ter sido marcado por um acontecimento dramático, que só não foi noticiado nos jornais porque a Censura Militar conseguiu abafar o caso, para não deixar a tropa mal colocada. Coisas que aconteciam naquela época, hoje impensáveis… Ou quase…” Chegara a hora dos cafés. Era sempre o momento em que aquele grupo de velhos amigos aproveitava para, nos seus periódicos almoços, cada um contar histórias raras ou colocar problemas que os outros deviam resolver. O Inspector Garrett continuou a sua narrativa: “Em Mafra tínhamos ficado unidos por uma boa amizade. O Edgar Valente não tinha acabado o curso de Agronomia. O Abílio Sério estudara Economia, mas com pouca convicção. O João Bravo e eu andávamos em Direito. Ninguém sabia o que iria fazer depois da tropa. Logo se verá, dizíamos: “De Angola, antes vir tenente do que com os pés para a frente”. Todos os meus três amigos tinham tido já problemas com a polícia política, mas não gostavam de falar disso. Durante o COM constava que tinha sido um colega quem os tinha denunciado. Nas conversas a bordo notava-se bem o que cada um pensava do regime e das suspeitas que tinha quanto à denúncia. Já sabíamos onde iríamos ficar instalados em Luanda. O João conhecera em Lisboa uma rapariga luso-alemã, a Louise Meyer, cuja família residia em Luanda e possuía um andar na Avenida dos Combatentes, onde alugava quartos a militares em trânsito. Por carta tinha assegurado alojamento para nós quatro e já lá estava instalado há dois meses o Jorge, outro camarada de armas, porém com ideias políticas muito diferentes das nossas. “A Louise acabou o curso e já voltou para Luanda. Tenho a certeza de que o Jorge, femeeiro como é, já se atirou à rapariga.” – desabafava o João. “Estou muito arrependido de lhe ter arranjado o quarto”. O Abílio não calou a sua raiva: “Vai ser uma chatice viver na mesma casa com o Jorge.” O Edgar não disse nada, mas notava-se na sua expressão o desagrado. Um dia perguntou ao João: “A Louise não chegou a ser tua namorada?” O outro não respondeu, mas todos percebemos o porquê. “Eu nem vos conto o que sei sobre o Jorge”, rematou o Abílio. “Eu não sei, mas suspeito”, disse o Edgar. Garrett fez uma pausa, gozando a ansiedade dos interlocutores. E prosseguiu: “O paquete acostou como previsto cerca das 12h00, mas só perto das 14h00 pusemos o pé em terra, após as formalidades. O Jorge comprometera-se a estar em casa toda a tarde à nossa espera. Um furriel e dois soldados esperavam-nos com um jipão e estavam encarregados de levar a nossa bagagem para o RIL. Mesmo assim, o João, desconfiado como sempre, quis acompanhar as malas e lá foi até ao quartel. O Abílio disse que ia procurar uns primos que tinham um café no início da Estrada de Catete e talvez lá almoçasse. O encontro de todos na casa onde nos iríamos instalar combinou-se para as 17h00. O Edgar disse que ia aproveitar para ir fazer umas compras, pois precisava de algumas peças de roupa civil, sapatos, calças, etc. Eu ia procurar uma forma de telefonar à minha mãe, para não deixar de lhe falar no dia dos seus anos. Quem hoje está habituado aos telemóveis não faz ideia da dificuldade de, naquela época, comunicar à distância. Talvez nos Correios encontrasse a solução. E separámo-nos todos.” “Oh Garrett, mas então onde é que está o drama?” “Calma amigos, prestem atenção”, prosseguiu o Inspector. “Eu encontrei alguma dificuldade em telefonar à minha mãe, andei mais de uma hora às voltas na cidade. Só no quartel é que consegui o telefonema. Fiquei por ali algum tempo a conversar com colegas. O João, claro, já lá estava, mas saiu pelas 16h00. Ainda não eram 17h00 quando cheguei à morada indicada da Av. dos Combatentes. Aí esperava-me a cena do crime. O João fora o primeiro a chegar. Cerca das 16h30 batera à porta mas ninguém respondera. Como era o único que sabia a morada dos pais da Louise, ali bem perto, foi até lá e contou o sucedido ao pai, o sr. Meyer. A Louise não estava, dissera que ia sair toda a tarde. O pai, tendo uma chave da casa, entrou com o João e deparou com o Jorge caído no chão atingido com um tiro na zona do coração. Chegou a Polícia Militar que, entretanto, fora chamada. A casa, em desordem, aparentava sinais de luta. No chão perto do corpo uma pistola Walther 9mm, que veio a confirmar-se pertencer à vítima e ter sido a origem do tiro fatal. Um pouco depois surgiu o Abílio carregando dois enormes abacaxis que os primos lhe tinham dado. O último a chegar foi o Edgar que, apesar de não gostar do Jorge, ainda da porta manifestou o seu pesar, levando as mãos à cabeça num gesto de horror. Mais tarde, a Medicina Legal determinou a hora da morte entre as 15h00 e as 16h00. O tiro em cheio no coração teria provocado morte quase imediata. Numa gaveta do quarto do Jorge foram encontradas peças de roupa íntima da Louise. A nossa apresentação no RIL deveria ser no dia seguinte, de manhã. Após algumas declarações à Polícia Militar, fomos todos jantar em casa dos Meyer, onde dormimos nessa noite. O ambiente era de cortar à faca. A Louise chegou pelas 19h00, já sabia que nós íamos chegar e disse ter estado na praia com amigas e depois em casa delas. E pronto, a história está contada. Mas os meus amigos já possuem dados para dizer sobre quem recaíram desde logo as suspeitas do crime. E justifiquem. |
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DANIEL FALCÃO |
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