Publicação: “Flama” Data: 1958 II Torneio Nacional de Problemística
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II
TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA SOLUÇÃO DO PROBLEMA Nº 3 O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL Autor: Mr. Jartur Não existem
dúvidas de que a solução deste problema é clara e única. Para a conseguir
nada mais é preciso do que pura dedução, confrontando as declarações dos
depoentes com as coisas e os factos que o detective viu e foram descritas no
problema. Ora,
temos como culpado, aliás como culpada, a noiva de Alfredo. Para uma acusação
mais concreta, há que ter em atenção o número de mentiras existentes nas suas
declarações e, também, o número de pormenores que ditam a sua culpabilidade.
Inicialmente vou focá-los todos, sem ordem. Depois, mais adiante, farei a
reconstituição do caso apontando, então, outros pormenores devidamente
explicados. a)
Primeiro que tudo, há a anotar o facto de Maria José ter dito que ouvira uma
detonação. - Este é o seu primeiro erro, visto que os arpões de caça
submarina são disparados por força de elásticos e nunca por qualquer carga
explosiva. Um possível silvo do tridente não lhe chegaria aos ouvidos, visto
que, por muito calmo que o mar estivesse, o rumor das ondas o abafaria. Como
adiante se prova, a rapariga andava com a cabeça protegida por uma carapuça,
o que mais ainda dificultaria a audição. b)
Marcos Dias viu que o arpão estava encurvado pelo meio, o que prova que este
não fora disparado por qualquer «zarabatana», visto que estas possuem umas
guias para dar direcção ao projéctil e, a ser assim, a haste do tridente não
deslizaria. c)
Depois de disparado, o arpão não se entortaria, pois a pressão exercida seria
centrada no sentido longitudinal e nunca transversal de modo a encurvar-se. d) Mas,
o pormenor mais acusador é aquele que a jovem construiu ao afirmar que
estivera chorando abraçada ao noivo. Acusador, digo eu, pois “as lágrimas
caíam-lhe nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa, confundindo-se com
algumas gotas de água que o calor ainda não evaporara”. Comparando a
afirmação e o facto, deparamos com os seguintes erros: A ter estado ela
abraçada ao corpo, por conseguinte deitada no chão, além de a areia fina lhe
secar as coxas e as pernas que assentara no solo, ter-lhe ia ficado, colada à
pele húmida, uma grande quantidade de areia que nós sabemos ser fina e
alourada. Mais atesta a veracidade desta dedução, o facto de, como diz o
autor do problema, os cotovelos estarem sobre as pernas agora impecavelmente
belas, pois já secara toda a água. e) Outro
pormenor bastante acusador é o facto de “à volta do corpo nada de anormal se
encontrar”. Isto desmente a rapariga ao dizer que não entrara na barraca
pois, como sabemos, ela metera na saca o barrete de natação quando ali
entrara a ver se faltaria alguma coisa, como o detective lhe indicou. Ora, se
ela tinha a carapuça na cabeça, como atestam os seus cabelos soltos ao vento;
se não a tinha nas mãos, o que sabemos porque ao correr ela acenava com os
braços; nem, como já disse, se encontrava à volta do corpo, é porque a Maria
José já havia colocado esse objecto dentro da barraca. Para o fazer, podia na
realidade não ter entrado antes na barraca; porém, a mentira continua, visto
que ela afirmou ter corrido para o corpo e ter ficado abraçada a ele até ao
momento em que se erguera para correr para a estrada. Então
como é que pôs o barrete dentro da barraca, pois não há dúvida de que nadara
com ele? A prová-lo está a carapuça molhada e os cabelos soltos. No caso de
ter nadado sem o capacete - o que é improvável sabendo-se que o seu cabelo é
comprido - este estaria empastado e não lhe chicotearia o colo e os ombros. f) A ter
estado a jovem abraçada ao corpo, os seus cabelos longos teriam, sem dúvida,
chegado ao sangue e então ficariam manchados, como devia ficar também o
“maillot” ou o corpo da rapariga. g) O
arpão, entortado, prova-nos que fora espetado por alguém que o agarrara pela
haste e, ao desferi-lo sobre a vítima, lhe dera, sem querer, um movimento
lateral que motivara o empeno. Quanto a
pormenores acusadores, ficar-nos-emos por aqui, se bem que poderíamos ainda
expor algumas hipóteses que nos provariam a anormalidade do caso, como por
exemplo o facto de Maria José ter ficado abraçada ao corpo, quando a sua
reacção deveria ser de horror, o que a levaria a procurar, desde logo, alguém
que a auxiliasse. Esperar junto do defunto que o acaso trouxesse alguém para
a ajudar, é ter muita calma, uma calma da qual não dera provas durante a
presença do investigador. É, pois,
a altura de reconstituir o caso, expondo o raciocínio que me pareceu mais
lógico. Terminado
o passeio pela praia, que sem dúvida fizeram após a sesta, Maria José foi, na
realidade, para a água onde viu, boiando, um peixe morto com um tridente
espetado no ventre. Então, assaltou-lhe a mente uma ideia: desfazer-se do
noivo, ao qual desde há muito vinha sugando dinheiro, e de quem agora já se
sentia cansada. Extraiu o arpão do corpo do peixe e, saindo da água, colocou
o tridente sobre a areia, em sítio onde a água não chegasse. O noivo,
futura vítima, continuava interessado pela obra de uma boa escritora. Assim a
jovem pôde, durante alguns minutos, estudar mesmo enquanto nadava, a maneira
de cometer o delito sem se inculpar. E, então, a ideia chegou. Saindo
da água, a cantora tirou da cabeça o barrete de borracha e com ele agarrou o
tridente quase enxuto. Razão pela qual nele não havia impressões digitais.
Subiu a praia, silenciosa, e aproximando-se de Alfredo que nada notava, já
pelo interesse concentrado na leitura, já pelo ruído quase nulo dos passos da
criminosa. (Podia até ter-lhe falado, o que, aliás, o não surpreenderia nem o
faria mudar de posição). Curvou-se um pouco, apontou o tridente e… A vítima
nem se mexeu, pois os bicos da arma fatal dera-lhe morte imediata. (Se repararmos
na posição do livro e das mãos da vítima, fácil nos será concluí-lo.) A
rapariga olhou mais uma vez à sua volta e aproximou-se da barraca na intenção
de “surripiar” o que quer que fosse. Naturalmente sem notar que o fazia,
pousou a carapuça. Mal tinha acabado o seu trabalho, ouviu-se na estrada o
deslizar do automóvel. Teve uma ideia súbita e correu, acenando aos ocupantes
do veículo. Esta
hipótese, que é a mais lógica, pode, no entanto, divergir em alguns pontos, o
que não influi na boa e única solução do caso para o qual devem ser tomados
em conta todos os pormenores focados nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g),
e ainda os apontados na reconstituição do caso. Quanto
ao outro suspeito, nada tem a ver com o crime. As suas declarações nada têm
de duvidoso e há ainda a salientar o facto de ter estado na praia, a dormir,
como comprovarão as pessoas que ele disse terem estado na praia e que, por
certo, são suas conhecidas. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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