Publicação: “Flama” Data: 21 de Fevereiro de 1958 II Torneio Nacional de Problemística
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II
TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PROBLEMA Nº 3 O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL Autor: Mr. Jartur Atirámos
as sacas para o banco posterior do carro, e entrámos depois, puxando para nós
as portas que o sol tornara escaldantes. Entre o
mar e a estrada por onde o potente veículo quase voava, estendia-se a praia.
Era uma centena de metros de areia fina e alourada, formando graciosas dunas
que o astro rei embelezava com maravilhosos reflexos. Transposta
a suave curva duma duna que dois rochedos coroavam, surgia, a alguns metros,
um vulto feminil que corria para a estrada, acenando com os braços na nossa
direcção. Marcos e eu entreolhámo-nos, enquanto ele fazia parar o carro junto
à berma da estrada, na intenção de saber o significado daqueles sinais que
tão formosa rapariga fazia, correndo na nossa direcção. Era
bastante esbelta e bela a jovem que parou junto a nós, extenuada, com os
compridos cabelos loiros soltos ao vento, chicoteando-lhe os ombros e o colo
que o "maillot" deixava a descoberto. Após alguns momentos em que
tentou refazer-se da fadiga, a escultural mulher pediu-nos que a auxiliássemos,
pois algo de terrível acontecera ao seu noivo. Enquanto
nos acompanhava ao local do drama, uma barraca de tecido multicolor montada
atrás duma pequena duna, a jovem foi contando o que acontecera. – Cheguei de manhã, com meu noivo, e aqui
tencionávamos passar o resto do dia, devendo regressar a casa com um amigo
que por aqui passaria nesse propósito. Depois de termos dado um passeio pela
beira do mar, o Alfredo foi-se deitar a ler junto à barraca, enquanto eu fui
refrescar-me um pouco. Mergulhando no mar afastei-me da praia e, tão
distraída andava praticando o desporto que mais admiro, que não dei pelo que
se passava ao pé da barraca. De súbito, ouvi uma detonação. Olhei na direcção
da praia e vi um homem, de pé, no sítio onde o meu noivo ficara. Notando que
não se tratava do Alfredo, gritei e nadei para terra, enquanto o homem fugia,
correndo, em direcção à estrada. Só quando saí da água, é que vi que o meu
noivo estava no mesmo sítio, deitado, mas com qualquer coisa espetada na
cabeça. Corri para junto dele, gritando o seu nome, mas não obtive resposta.
Então, baixando-me e encostando o ouvido às suas costas, notei com horror que
estava morto. Desatei a chorar, abraçada a ele, e só me levantei quando ouvi
o ruído do vosso carro. Então, corri esbaforida e… o resto já os senhores o
sabem. Entretanto
havíamos chegado junto à barraca, e a jovem tentou reter um soluço que por
fim soltou, fitando sem ver, o corpo daquele que fora seu noivo. Enquanto eu
tentava consolar a pobre moça, o meu amigo ajoelhou-se junto ao cadáver, e
colou-lhe o ouvido um pouco abaixo da omoplata esquerda, chegando também à
conclusão que a rapariga citara. Depois,
olhando o corpo apenas coberto por um calção de tecido elástico, Marcos Dias
observou com atenção o tridente que ao chegar vira espetado na nuca do
desventurado banhista. Dos três orifícios abertos em linha, onde mergulhavam
as pontas do arpão, saía ainda algum sangue que, escorrendo pelo pescoço, se
ia juntar ao outro que a areia fina já absorvera. Com cerca de setenta
centímetros de comprimento, aquele instrumento de caça submarina estava
encurvado a meio, e tinha ainda presa, no extremo, uma ponta de fio de pesca.
Impressões digitais, não as havia. Na
areia, à roda do corpo, nada de anormal se notava. Pegadas, havia-as por toda
a parte, mas seria impossível atribuí-las aos respectivos pés, já que todas
eram disformes e idênticas, por causa da inconsistência do terreno. Marcos
prosseguia nas suas perscrutadoras observações, e eu continuava a minha
missão consoladora. Fiz sentar a jovem junto da barraca, e tentei fazer
estancar as lágrimas que, deslizando pelas faces que o sol já bronzeara um
pouco, lhe caíam nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa,
confundindo-se com algumas gotas de água marinha que o calor ainda não
evaporara. Desviando
o olhar do pequeno caderno onde fizera alguns apontamentos, Marcos volveu-o
para mim e perguntou, dirigindo-se à jovem: – Sabe
se o seu noivo teria alguém interessado na morte dele? – Creio
bem que… não!... Apesar de que… ele é muito rico. Nunca se sabe… – Sim,
compreendo! – cortou o detective, enviando um olhar mais atento, pela
primeira vez, ao corpo harmonioso da linda rapariga. E depois, continuou: –
Vejamos. A menina sabe se lhe roubaram alguma coisa? Talvez da barraca?!... – Não
sei!... Depois que vim do mar, ainda não entrei nela. – Marcos
Dias parou junto de mim. Curvou-se para entrar na barraca e começou a remexer
no seu conteúdo, pedindo à rapariga que visse se faltaria alguma coisa. – Parece
que está tudo – afirmou endireitando a roupa sobre o colchão pneumático, e
metendo na saca cilíndrica o barrete de natação ainda húmido. Terminado
o exame no interior da barraca, Marcos saíu e voltou a examinar o cadáver,
impelido por súbito pensamento. A cabeça do assassinado caía sobre um romance
de Françoise Sagan, que as suas mãos crispadas seguravam ainda. – A
senhora… - Ia a dizer o investigador. – Oh!
Desculpe não lhe ter dito ainda. Chamo-me Maria José e vivo a poucos
quilómetros daqui. Canto no restaurante “Oásis”. – A
senhora… – Recomeçou a dizer Marcos Dias – não reparou se o homem que se
afastava era alguém seu conhecido? Posso até lembrá-la, de que poderia
tratar-se do amigo que viria buscá-los para os conduzir a casa. – Oh!
Creio que não. Mas se o senhor quiser interrogá-lo, ele é o director da
orquestra que me acompanha. Poderá encontrá-lo no “Oásis”, pois nesta ocasião
deve estar a ensaiar. Marcos
expeliu pelas narinas uma certa porção de ar e, aproximando-se de mim, disse
qualquer coisa que me deixou incrédulo. – Não!
Não pode ser – repliquei quando recuperei a fala. – Ele… Mas,
Marcos fez-me interromper a frase. Olhando a jovem, que continuava sentada na
areia, com a cabeça entre as mãos e os cotovelos sobre as pernas, agora
impecávelmente belas, pois já secara a água, disse-me ele, com uma expressão
caricata que só eu compreendia. – Bem!
Têm que ficar aqui um bocado, enquanto eu vou ao “Oásis” falar com o senhor
suspeito. Depois irei buscar uma ambulância e as autoridades locais, pois os
senhores da Polícia costumam querer cumprir as formalidades usuais. O meu
amigo afastou-se, pela praia, em direcção ao automóvel, e eu, colocando sobre
o cadáver uma colorida toalha que tirara da barraca, disse à jovem, ensaiando
uma pronúncia cativante: – Vá!...
Não chore mais. Em breve o caso ficará resolvido, e o criminoso será
castigado. Premiando-me
com um olhar misto de serenidade e receio, a jovem puxou os cabelos por cima
do ombro esquerdo e reclinou-se na areia, onde os seus cabelos aloirados
colocaram uma mancha brilhante. Aproveitando
o tempo que Marcos levaria a regressar da cidade, resolvi refrescar-me um
pouco, e convidei a rapariga a acompanhar-me. Maria José rejeitou o convite,
pois pretendia descansar alguns minutos. Do lado oposto da duna, oculto da
“viúva”, despi o dispensável. Segundos
depois, corri pelo suave declive da areia e lancei-me no mar, aproveitando
uma vaga que corria para a praia. Ao entrar na água, senti a cabeça bater em
qualquer coisa que me pareceu um rochedo, mas que afinal não passava de um
grande peixe. Agarrei-o, julgando-o vivo. Porém,
logo notei que estava morto e quase em decomposição, com as tripas a sair por
um rasgão que tinha no ventre. Segurando no peixe e nadando com uma das mãos,
tal como Camões salvando “Os Lusíadas”, voltei à praia, onde o coloquei com
cuidado, pois pensava pregar uma partida ao Marcos, quando ele regressasse. Entretanto
Marcos Dias chegava ao “Oásis”. Mandou chamar o director da orquestra, que o
gerente do restaurante disse ter chegado poucos minutos antes, e perguntou,
sem rodeios: – O
senhor pode dizer-me porque só agora chega, para o ensaio, quando afinal já
há mais tempo aqui devia estar? Creio que isso terá alguma relação com um
crime que há algum tempo cometeram e que eu tenho que resolver. –
Perdão, senhor! Não sei do que se trata. Quanto ao meu atraso, confesso que
não tenho provas do que lhe vou afirmar. Fui-me deitar um pouco na praia,
depois do almoço, e sem querer adormeci. Quando acordei, já eram seis horas,
e vim logo para aqui. – Pois
bem, – exclamou Marcos Dias – o noivo da Maria José foi morto num lugar quase
deserto, junto ao mar, e o senhor era o único que sabia onde eles se
encontravam. – Isso é
verdade! – respondeu o outro: – Mas também é verdade que o sítio onde eu
estive fica muito distante do lugar onde fiquei de ir buscar a cantora e o
Alfredo. – Está bem!
Depois veremos isso. Para já, faça o favor de me acompanhar… Ah! A propósito.
O senhor não se dedica à caça submarina? – Não,
senhor detective. E, por sorte, nem sequer sei nadar. –
Pronto, vamos. – E, abrindo a porta do Mercedes, Marcos Dias disse ao seu
interlocutor: – Passaremos pela Polícia, e levaremos uma ambulância para
remover o cadáver. O carro
arrancou velozmente, provocando no músico algumas contracções que expressavam
receio. Quando o carro, cada vez mais veloz, entrou na estrada principal, João
da Laura, assim se chamava o chefe da orquestra, exclamou: –
Lamento imenso a morte do meu amigo, a tal ponto que serei capaz de dispender
algum dinheiro para que seja feita justiça. Quanto a mim, as pessoas que me
viram na praia deverão comprovar as minhas afirmações. – Sim!
Deixe-me pensar um pouco… Depois veremos. Uma hora
depois, enquanto o criminoso era conduzido ao quartel da “Judiciária”, Marcos
Dias e Jartur aproximavam-se da cidade. No olhar
dos dois amigos, um atento à estrada, e o outro à paisagem que se estendia em
redor, reflectia-se a alegria do dever cumprido. PERGUNTA
-SE: – Quem
foi o criminoso? – Quais
foram os pormenores acusadores, encontrados pelo detective? – Como
se teria passado o caso? –
Exponha o seu raciocínio. |
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DANIEL FALCÃO |
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