Publicação: “Público”

Data: 2 de Março de 2014

 

 

Campeonato Nacional 2014

Taça de Portugal 2014

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2014

 

PROVA Nº 2 (PARTE I)

 

HOJE HÁ PASSARINHOS…

Autor: A. Raposo & Lena

 

Estamos nos anos 60, na cidade de Lisboa, mais propriamente nos arredores do conhecido bairro da Picheleira.

Como peça fundamental de convivência citadina, existe a Cova Funda, uma taberna à maneira, onde se joga à sueca, se consomem passarinhos fritos, jaquinzinhos e umas iscas com elas. O vinho, em barril, vem diretamente do produtor, o bom carrascão, do Cartaxo.

Na cozinha temos a menina Fatucha, filha do Taberneiro Elias – homem da serra da Estrela que aterrou na cidade grande e se estabeleceu, faz um tempão.

Fatucha é o elo de ligação entre a rapaziada que vai ou voltou da guerra colonial.

A moçoila era cheiinha de carnes, faces rosadas, fartos seios e trato fácil.

A rapaziada, a rebentar de hormonas, gostava do clima e frequentava a casa.

Naquele dia, lá estavam eles: o Pinguinhas, o Peida Gadocha, o Malacueco, o Marreco, o Pingarelho e o Olho Vivo.

Andavam todos a azucrinar a Fatucha e segundo constava a moça não permitia avanços.

Tempicos, nessa altura, morava por perto, e fazia parte do grupo. Ao passar à porta da Cova Funda chegava-lhe os cheiros das iscas cruzado com o perfume barato da Fatucha e, não resistia, sempre lhe ficou o gosto dos petiscos e de molhar o pãozinho em prato alheio.  

Ficou fã dos passarinhos fritos, um amor de toda a vida, tal como o seu Benfica.

A cozinheira (Fatucha) raramente mudava o óleo da frigideira e os jaquinzinhos perdiam a piada.

Lá estavam todos. No bairro eram conhecidos como “os seis da vida airada”. Quatro numa mesa no meio da tasca a jogar à sueca e um ao balcão a fazer companhia a Tempicos a trincar passarinhos fritos. O resto era a paisagem das pipas, por detrás do balcão, cujas torneiras ao abrir chiavam como se chorassem o carrascão a sair, era a zona da estrita responsabilidade de Elias.

Pelo meio das pipas um estreito corredor levava à cozinha e aos lavabos.

Em fundo uma ladainha vinha do televisor, apesar de a preto e branco mas já com o locutor a fazer o relato da bola, aos berros mas que ninguém ligava, pois o Benfica não jogava naquele dia.

A Fatucha andava num vaivém, a bandear as grossas coxas, e a levar pratinhos com jaquinzinhos enfiados em palitos e um ou outro apalpão às escondidas e que ela invariavelmente respondia com um “teja quieto!”.

A jogatina a certa altura parou para balanço dos resultados e foi aproveitado por um jogador para pôr a bexiga em ordem. A natureza inexorável.

Quando o anafado Zé regressava para a continuação da jogatina, aproxima-se da mesa do jogo e caiu na cadeira a queixar-se das costas. De facto, alguém, no entretanto dera-lhe uma bela facada nos rins. O seu parceiro de jogo ficou boquiaberto.

Tempicos, de costas para a cena, a trincar os passarinhos, empurrados por uns copos de três, não deu por nada. Nem o companheiro Quim – ambos a petiscar ao balcão - avançado centro do Penha-de-França que sofria de acentuada escoliose mas era o melhor marcador de golos de cabeça da equipa. Elias arrepanhou os poucos cabelos.

Tempicos naquela época andava a fazer o tirocínio para Inspetor da PJ e avocou o caso, já naquele tempo lhe atribuíam um olhar perspicaz.

Diziam-lhe as células cinzentas que a moça tinha um rapaz debaixo de olho e aos outros não passava “cartolina” e isso criava um ambiente de competição e ciúme no grupo. Começou a tomar as suas notas num caderninho de capa preta:

“– O espertalhão do Manel estava a fazer as contas do jogo e não viu nada. Aliás, tinha ganho a última vasa, mais o seu infortunado parceiro anafado:

– O pelintra do Tozé estava a ver o jogo de futebol na tv e… nada enxergou.

– O Zé só se queixava e queria ir para o hospital.

– O tacanho do Tó estava a olhar a rua e nada viu.

– O Elias estava a encher copos e não se apercebeu de nada.”

Tempicos, à socapa, revistou por todo o lado e conseguiu descobrir, escondido num bolso do avental da Fatucha, um papel com o seguinte texto:

“Espero-te às nove na esquina da mercearia.” – Pingarelho.

Passaram-se quase 50 anos e Tempicos voltou ao caderninho preto entretanto guardado. Recordou o caso e redesenhou a cena e os intérpretes e a pergunta mantinha-se:

– Quem tem mais hipóteses de ter esfaqueado o Peida Gadocha?

Desenhe a cena do crime e ponha em todos os actores os nomes e respectivas alcunhas.

 

© DANIEL FALCÃO