Publicação: “Público” Data: 13 de Julho de 2014 Campeonato Nacional 2014 Taça de Portugal 2014 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2014 PROVA Nº 6 (PARTE II) ROUBARAM A GIOCONDA Autor: Búfalos
Associados Há muitos anos havia zonas nesta velha Lisboa que
não eram de todo recomendáveis para qualquer pacato e honesto cidadão. José
Saramago, que passou alguns anos da sua juventude no bairro da Penha de
França, refere no seu "Caderno 2" o Pátio do Padeiro no chamado
Vale Escuro, para onde se escapulia a garotada da vizinhança em busca de
aventura, "local onde a gente "normal" não se atrevia a entrar
e a própria polícia evitava fazendo vista gorda aos supostos ou autênticos
comportamentos ilícitos dos seus habitantes". Quando anos mais tarde o
camartelo municipal limpou a área, ficou de pé durante alguns anos um pequeno
prédio que incluía um cafezito chamado "Toca do Leonardo",
sobrevivendo enquanto foi possível à construção das "gavetas" de
habitação sobrepostas que hoje ocupam o local. O velho Leonardo tornara-se
amigo do então jovem Garrett após um problema que tivera com a polícia por
causa de uma questão de falta de licença para vender castanhas assadas na
rua. O processo acabou por ser esquecido e o velho ficou para sempre
agradecido a quem julgava ter sido o responsável pela "amnésia" da
polícia. Garrett nunca o assumiu, mas a verdade é que a amizade entre os dois
homens perdurou. Num domingo de temporal desfeito sobre Lisboa, com
ventos ciclónicos e chuva que duraram todo o dia, Garrett resolveu ficar em
casa a pôr papéis em ordem. Seriam talvez umas sete da tarde quando o
telefone tocou. Era o Leonardo aflito a gritar: "Roubaram a
Gioconda!" - "O quê, outra vez? - exclamou
Garrett. - A última vez que isso aconteceu foi em 1911! Outro italiano
maluco?"- "Não brinque, Inspector, a
minha gata desapareceu. Ajude-me, por favor." O Leonardo tivera veleidades artísticas na
juventude, tendo chegado a ser autor do guarda-roupa de marchas populares.
Herdara a leitaria "Flor de Ourense" da filha de um galego, de quem
enviuvara há coisa de dez anos, e o "estaminé", mudado o nome, lá
ia fazendo algum negócio enquanto houve clientela. Porém ultimamente naquele
deserto raramente aparecia alguém e o homem dedicara-se então às castanhas
assadas que vendia numa padiola clandestina, sobretudo aos domingos, quando o
café estava fechado. A sua única família era agora uma gata maltesa a que
dera o nome de Gioconda e que era uma espécie de mascote do café, de onde
nunca saía. Garrett não podia faltar ao apelo do amigo e assim
apanhou um táxi para o local, onde se inteirou do que se passara. Leonardo,
que vivia perto, às 11 horas estivera no café a deixar comida para a
Gioconda, e tudo estava normal. De seguida pedalou com a gerigonça das
castanhas para o Campo Grande, pois jogava o Benfica. Não podia perder o
negócio, apesar do temporal. Quando, ao fim da tarde, voltou para arrumar a
geringonça, encontrou a rapariga que lhe costumava limpar o estabelecimento,
a Elsa, a dar-lhe chorosa a triste notícia de que a bicha tinha desaparecido.
-"Como é que aconteceu? - queixava-se o
Leonardo - Fugir era impossível porque as janelas estavam todas fechadas. De
certeza que a roubaram, inspector. Ontem à tarde
dei pela falta de uma chave suplente que tinha pendurada na ombreira da
porta. A Elsa encontrou-a hoje em cima do balcão quando aqui entrou." A rapariga apressou-se a esclarecer: -"Foi
isso. Ainda não eram duas horas vim ao café porque na véspera tinha-me
esquecido do porta-moedas. Claro que utilizei a chave que uso sempre que
venho fazer a limpeza. O porta-moedas estava onde o tinha deixado, a gata é
que não estava em parte nenhuma. A única porta da rua estava fechada à chave
com duas voltas como o Sr. Leonardo a costuma deixar. Não tinha maneira de o
contactar, por isso fiquei aqui à espera dele pois sabia o desgosto que ia
ter." -"Quantas pessoas têm chave desta
porta?" - perguntou Garrett. Leonardo:
-"Além da minha, da da Elsa e desta que estava
ali pendurada, como por vezes eu sou distraído, distribuí outras duas pelos
vizinhos do prédio. A Dona Rosa que mora no andar de cima e o Sr. Lopes do
segundo andar. É gente que está quase sempre em casa porque já são velhotes." Chamados à presença de Garrett mostraram as suas
chaves e declararam, o Lopes ter saído pelas dez e ter estado sempre à pesca
na doca do Poço do Bispo, e a Dona Rosa ter ido, como era costume ao domingo,
à missa das onze à igreja da Penha de França, onde encontrou uma prima que
morava ali perto. Regressara havia pouco, acompanhada da prima em casa de
quem estivera. Vinham ambas encharcadas da chuva que não parara todo o dia. O
Lopes voltara pelas três horas, e a Elsa confirmou tê-los visto chegar. Ele
vinha na sua "arrastadeira" e até ia escorregando ao dar uma
corrida até à porta para não se molhar. E a rapariga, aproveitando uma
oportunidade, chamou de parte o Inspector e
segredou-lhe: "Eu não sei se lhe deva dizer isto, mas a verdade é que a
Dona Rosa gostava muito da gata e mais do que uma vez me disse que achava
muito mal que a bicha passasse aqui tanto tempo só. Talvez isto não queira
dizer nada, mas o senhor lá sabe..." A Dona Rosa por sua vez não teve qualquer dúvida
em dizer-lhe, também à parte: -"Este senhor que mora cá em cima não é
nada boa rês. Não podia ver a gata nem pintada porque já mais de uma vez o
arranhou. Não me espantava que a vontade dele fosse atirá-la ao rio." -"Leonardo, quem é que pode ter roubado a
chave suplente?" -"Sei lá, a casa tem poucos clientes, mas ontem
até passaram por cá pessoas. Eu da Elsa desconfio sempre, mas para que é que
ela queria outra chave?" Garrett já tinha uma forte desconfiança. Qual
seria? A – A Elsa deve ter mentido. B – O Sr. Lopes deve ter mentido. C – A Dona Rosa deve ter mentido. D – Não havendo quaisquer provas concretas, é
admissível que o roubo da 5.a chave possa ter sido obra de um cliente
desconhecido, para mais tarde poder entrar e roubar a Gioconda. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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