Publicação: “Público” Data: 7 de Setembro de 2014 Campeonato Nacional 2014 Taça de Portugal 2014 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2014 PROVA Nº 8 (PARTE I) O CÚMULO DA VELOCIDADE Autor: Verbatim O Inspector Flávio Alves
perguntou ao agente Dias se ele sabia qual era o cúmulo da velocidade e, sem
esperar pela resposta, acrescentou: “É um tipo fechar uma gaveta à chave e
conseguir guardar a chave lá dentro. Quer dizer, aqui ou houve suicídio ou o
homicida saiu do gabinete e conseguiu deixar a chave lá dentro depois de a
utilizar para fechar a porta.” Dias riu-se com gosto enquanto metia dados no
computador sobre o caso que estavam a tratar. Naquela manhã, Esteves Jonas, um dos fundadores e
sócios da firma “Dreams & Dreams”,
produtora de aplicações para telefones e tablets,
foi encontrado morto no seu gabinete. A porta fora arrombada por colegas
quando verificaram que ele não atendia qualquer alerta ou chamada. Mal
entraram perceberam que a situação era grave e que Jonas, possivelmente, se
suicidara. Por mútuo entendimento recuaram, sem tocarem em coisa alguma,
solicitando a presença urgente de um médico e da polícia. Flávio Alves pôde concluir, por cruzamento de dados,
que a cena da tragédia não fora afectada. Jonas
estava caído no soalho com um ferimento no peito, junto ao coração,
característico de tiro à queima-roupa. Mesmo ao lado, o costado almofadado de
uma cadeira apresentava um rasgo curto, ladeado por restos de sangue e de
tecidos orgânicos do morto. Nas costas da vítima notava-se o buraco por onde
saíra o projéctil. A posição do corpo e os sinais
deixados na cadeira levavam a concluir que Jonas estaria sentado quando
ocorreu o disparo, tendo caído logo a seguir. Muito perto, e também no chão,
via-se uma pistola que, conforme se confirmou, fora a que disparara a bala
fatídica, a qual, por seu turno, se encontrava encravada no soalho, mesmo
atrás da cadeira, a cerca de um metro de distância desta última. A morte,
segundo o médico, teria ocorrido entre as oito e as nove da manhã. Na mesa de
trabalho de Esteves Jonas, estava a chave do gabinete, de tipo vulgar,
semelhante às que existem nas portas interiores da maioria das casas,
mormente as antigas, como era a do presente caso. Dentro do gabinete, cuja
janela de segundo andar se encontrava bem fechada, havia mobiliário diverso e
muito material de trabalho, algum bastante estranho. Face a este quadro, o Inspector
Flávio Alves colocou, em separado, a cada uma das quatro pessoas presentes no
escritório na altura da descoberta do corpo, as seguintes questões: Acha que
Jonas dava sinais de se querer suicidar? Como é que soube que ele se
encontrava no local de trabalho? A que horas chegou aqui e a que horas terá
Jonas chegado? Jonas tinha o costume de se fechar no gabinete? Sabia que ele
tinha lá dentro uma pistola? Ouviu algum disparo? Dimas Ló, com seis meses de casa, declarou:
“Estava a fazer trabalhos para o Sr. Jonas, que era muito exigente. Não sei
por que motivo se terá suicidado, embora me parecesse uma pessoa com
problemas psicológicos. Cheguei perto das dez e dirigi-me logo para o seu
gabinete. Bati á porta e não obtive resposta. Tentei entrar para relatar o
que tratara na Tecnicap e verifiquei que ele se
fechara. Sabia, como toda a gente, que ele tinha lá uma pistola e fiquei
apreensivo. Nessa altura saiu o Sr. Leitão para o corredor e disse-lhe que
tínhamos de arrombar a porta do Sr. Jonas. Ele, depois de confirmar que o
gabinete estava fechado à chave, ligou o telemóvel, que se ouviu muito
fraquinho lá dentro. Concordou então com o arrombamento.” Samuel Botas, com dois anos de casa, disse: “Jonas
era um tipo que amava a vida e não se iria suicidar. Tem, isto é, tinha uma
pancada, às vezes genial, mas mais nada. Entrei com ele às oito da manhã.
Possuía uma pistola e andava a estudar o som dos disparos. Não me recordo de
ouvir qualquer tiro, mas se o tivesse ouvido também não ligaria. Cada um de
nós está no seu gabinete, entra e sai quando quer e contacta os outros
sobretudo pelos meios digitais. Isso não quer dizer que não nos juntemos para
discutir os projectos ou avaliar o trabalho
realizado. A exigência é muita. Encontrei o Jonas fechado no gabinete,
algumas vezes. Julgo que o fazia para não ser interrompido e, ultimamente,
por causa dos disparos.” Elsa Lavrador, co-fundadora
e sócia da firma, fez uma declaração muito semelhante à de Samuel Botas,
tendo apenas divergido quanto a dois pontos: afirmou que chegou ao gabinete
pelas oito e quarenta e cinco, sem se ter cruzado com qualquer colega, e que
Jonas, desde há uns meses, entrara numa fase obsessiva com a segurança das
patentes e a pirataria que grassa no meio. Gomes Leitão, também co-fundador
e sócio, afirmou: “Jonas andava muito ansioso e desconfiado, pensando que lhe
roubavam ideias. Arranjou uma pistola e passou a fechar-se mais vezes no
gabinete, onde chegou a treinar tiro sobre um alvo com sacos de areia atrás.
Eram ensaios destinados a um jogo a introduzir numa aplicação e talvez um
treino, admito-o eu, para defesa própria. A morte dele é uma grande perda.
Não sei se a nossa D&D vai sobreviver. De manhã, quando no rés-do-chão
puxei o elevador, ainda ouvi, em cima, as vozes do Jonas e do Botas, no
momento em que entravam para o escritório. Aí pelas nove horas comecei a
notar que o Jonas não atendia. Às dez saí do gabinete para o procurar, quando
encontrei o Ló que, muito aflito, me deu conta da necessidade de arrombar a
porta. Verifiquei que o telemóvel tocava lá dentro, o que me confirmou que
ele ainda lá estaria. Devo dizer que aqui fechamos os gabinetes quando saímos
só para não deixar expostas maquetes sobre as quais estamos a trabalhar. O
importante está guardado em memórias de acesso muito complicado. Ah! De facto
pareceu-me ter ouvido um disparo pouco depois das oito e pensei,
naturalmente, que era o Jonas a atirar ao alvo.” Suicídio ou homicídio? Como se terão passado as
coisas? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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