Publicação: “Público” Data: 31 de Agosto de 2014 Campeonato Nacional 2014 Taça de Portugal 2014 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2014 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 6 (PARTE I) A MILIONÉSIMA SEGUNDA NOITE Autor: Búfalos
Associados Podem sossegar os apreciadores porque ainda não será
desta que vai ser posto em causa o final da bela obra que é "As mil e
uma noites". De resto, aparecerem novas histórias possíveis de nela
serem incluídas, é coisa que pode sempre acontecer. As histórias que a
compõem, de origem diversa e popular, foram sendo acrescentadas ao longo dos
tempos a partir, ao que se crê, do século IX. No Ocidente passou a ser
conhecida numa tradução para o francês em 1704 pelo orientalista Antoine Galland, na forma hoje conhecida e mais tarde traduzida
em quase todas as línguas. Mas tudo nos indica que o Patranhas terá inventado
os dois documentos com que esperava brilhar naquela noite em casa da Tia
Laurinda. Vejamos: A carta do padre Dâmaso é certamente falsa. Por dois
motivos. Primeiro porque Patriarcado de Lisboa só existiu a partir de 1716. E
depois porque aquela data, 10 de Outubro de 1582, nunca existiu. Na verdade,
nesse ano Portugal passou do calendário Juliano para o Gregoriano, e dez dias
foram pura e simplesmente apagados, entre 4 e 15 de Outubro. Foi uma das
consequências do Concílio de Trento, durante o papado de Gregório XIII. E o
Patranhas parece estar a mentir quando se contradiz dizendo primeiro que os
papeis estavam no meio dos livros da estante e mais tarde que os encontrou
numa gaveta. Quanto ao outro texto poderíamos também duvidar do uso da
palavra "solidéu" num documento árabe, por ser um adereço de cabeça
usado por religiosos cristãos ou judeus, mas enfim, poderia ter sido um
efeito da tradução para português. A alternativa seria a palavra
"calota". Mas como a carta é falsa, o documento também o será
naturalmente. Passemos agora às quatro questões colocadas pelo
Rei Xahriar à inventiva Xerazade. Eis a resposta
dada pela Tia Laurinda: -"Vejamos como terão explicado as suas
decisões os três pretendentes. Após a colocação dos três solidéus retirados
dos cinco, três pretos e dois brancos, passou algum tempo, após o que Ibrahim desistiu. Certamente porque não viu nas cabeças
dos rivais na sua frente dois solidéus brancos, Laurinda prosseguiu:-"Isto foi o que os três
terão dito no fim, reivindicando a inteligência das suas respostas, com os
dados que cada um possuía em cada ocasião. Mas o Sultão demonstrou-lhes que
podiam ter sido bastante mais inteligentes: -"Meus jovens, a verdade é que qualquer de
vocês, rapazes inteligentes, podia ter acertado sem esperar por respostas de
outros. Bastava terem interpretado o silêncio como interpretaram as
desistências. De início era mais do que evidente para todos que não podiam
estar colocados os dois solidéus brancos, caso contrário aquele que os visse
teria concluído rapidamente que o próprio era preto, e o único preto. Não
aconteceu. Que não estavam
dois brancos vocês já sabiam A Tia Laurinda mais uma vez dava provas da sua
perspicácia e bom senso. E Garrett rematou: "O mais curioso em
"As mil e uma noites" é que, ao longo de mais de duas mil páginas
de ficção, não ficamos a saber quase nada sobre uma das protagonistas mais
conhecidas da história da literatura, a não ser que tinha uma irmã que lhe
pedia para contar histórias, era filha de um Vizir e tinha uma notável arte
de narrar. Em frases curtas e quase sempre iguais, entre as histórias que vai
contando, apenas nos é dito que é discreta. Mas conseguiu, com a sua
habilidade, vencer a crueldade do Rei. Acabaram por casar e ter muitos
meninos. Se terão sido felizes é que ninguém sabe. Mas que ideia tão cruel
que teria sido mandar cortar-lhe o pescoço! Felizmente que o Patranhas
inventou tudo isso." E a noite acabou com todos a ouvir o belo poema
sinfónico "Xerazade" de Rimsky-Korsakov.
Vamos fazer o mesmo? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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