Publicação: “Público” Data: 4 de Novembro de 2013 Campeonato Nacional 2013 Taça de Portugal 2013 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2013 PROVA Nº 10 (PARTE I) VENHAM DE LÁ ESSES OSSOS… Autor: Júlio Penatra
& Gá A- Este bosque do
Tojo é muito agradável: a exuberância da flora, a diversidade e polifonia das
aves, as águas cristalinas do ribeiro… B- Sim, e não só é
agradável como é um sítio com história e muitas histórias a seu respeito. C-É verdade. Em
tempos, o povo da Castanheira reunia-se aqui à volta da Ermida da Sr.ª do
Tojo, a quem eram muito devotos. B- Realmente,
parece que era uma Ermida muito querida das pessoas, mas os franceses
maltrataram-na muito. Em 1855 ainda servia para o culto, mas em 1899 já era
um monte de ruínas. C- Conta-se que,
certa vez, foi roubado todo o seu recheio de valor e, como a porta parecia
ter sido arrombada à machadada, logo acusaram o lenhador, que habitava com a
sua família numa cabana aqui perto. Verdade ou mentira, o certo é que o
lenhador e a família nunca mais foram vistos na vizinhança, e da sua cabana
ficou apenas carvão. B- Constou que uma
assinatura de cruz da declaração de obediência e vassalagem da Câmara da
Castanheira ao D. Miguel, aprovada em 1832 e publicada na Gazeta de Lisboa,
era desse lenhador, do qual se afirmava ter votado contra tal por defender
ideias liberais. C- Sim, dizia-se
que tinha uns 25 anos e era um dos bastardos que os franceses cá tinham
gerado na primeira invasão. Ao certo, sabe-se apenas que, a partir daí, lhe
fizeram a vida negra, e ele, um latagão, teve de fugir da vila. Uns anos mais
tarde, já casado, foi visto por aqui a coxear um pouco da perna esquerda e a
viver na tal cabana. Nessa altura a sua história voltou às bocas do povo,
apimentada com comentários à manifesta juventude e fraca figura da mulher e à
presença de um filho de três anos. Parece que um novo Senhor do Tojo, que
chegou e partiu com o 1º governo do Marquês de Loulé, o trazia ao seu
serviço, mas ninguém soube de onde se conheciam. D- Ora “a vida é
sempre adaptação”, como disse Marcello Caetano, antes de ontem, na tomada de
posse como primeiro ministro. A- Eh pá, não
tragas a política para o campismo. E se agora nos deixássemos das histórias
da história? E- Boa ideia. Ó C,
passa aí a viola do F. C- Isso também eu
queria, mas não sei dela nem do dono. D- Olhem, vem ali e
não traz a viola. B- Então, F, onde
te meteste? F- Estive
acocorado, ali, no meio daqueles arbustos, e venho mais rico. B- Não quererás
dizer… mais leve? F- Não. Acocorado,
pus-me a esgaravatar no chão com a ponta do meu punhal, e desenterrei esta
peça. B- Mostra cá. Hum…
Isto é uma moeda de III reais ou réis, como se dizia, do ano 1868, e na outra
face tem escrito LUDOVICUS I DEI GRATIA. C- É uma moeda de
cobre. B- Então, não me
parece que tenhas feito uma grande descoberta, mas talvez lá estejam
enterradas algumas moedas de ouro. O melhor seria irmos investigar, mas
deixemos isso para próxima semana, se concordarem, porque é tempo de
levantarmos a tenda. … B- Ora bem, tenda
montada, vamos à nossa expedição. Mas é melhor ficar aqui alguém, não venha
aí o “guarda do mato” implicar por estarmos cá outra vez e descobrir o que
viemos fazer. A- Devíamos ter um
detector de metais. Assim, fico cá eu. … F- Foi aqui! B- Já deu para
perceber. E- Eu começo neste
ponto… Eh, lá! Isto é um osso! F- E está por
debaixo do sítio de onde recolhi a moeda. D- Cuidado com
isso. Temos que escavar com muito cuidado. É melhor irmos buscar as colheres,
os garfos e os pincéis da barba… B- Tragam também a
máquina fotográfica, porque não podemos levar isto daqui. Aliás, temos de
voltar a enterrar tudo e disfarçar o melhor possível com ervas e musgo.
Depois de investigarmos, logo daremos conta da descoberta ao Cabo da Guarda. … B- Meu caro G,
dá-nos cá uma ajuda. Tu que és um rapaz que até já fizeste Anatomia, analisa
estas fotos e diz-nos o que vê nelas o teu douto conhecimento. G- Ok. Venham de lá
esses ossos, ou melhor, as fotos. Ora, temos, então: caveira, úmero, fémur e
mão. A caveira é de um caucasiano, tem aqui uma protuberância externa bem
marcada no occipital, maxilar em ângulo recto e queixo um pouco avançado.
Aqui, as suturas sagital, coronal e lambdóide já estão fechadas e, ali, a que
liga o mastóide ao parietal está quase. Quanto ao úmero… D- Mede 271 mm. G- Ok. Está um
bocadinho deteriorado e não vejo nada de especial. O fémur… D- Mede 530 mm. G- … parece estar
também um bocado deteriorado, mas aqui vê-se bem o sinal da calcificação de
uma extensa fractura. Na mão, cada dedo tem ossos incipientes, há grandes
espaços entre estes e faltam mesmo alguns. E pronto, é tudo o que posso dizer
através destas fotos. B- Muito bem, a tua
informação vai ser muito importante para nós. … C- Malta!
Finalmente, o meu colega que estagia no LN… disse-me que o solo tem pH à
volta da neutralidade e os ossos “morreram” há cerca de 100 a 120 anos. D- Vá lá! Passados
dois meses dos achados temos toda a informação possível a seu respeito. B- Isto é muito
interessante… e mais seria se a nossa descoberta tivesse alguma coisa que ver
com a história do lenhador de que falámos. E- Ó meu! E
por que é que havia de ter? Alguém pode explicar-me? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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