Publicação: “Público” Data: 7 de Julho de 2013 Campeonato Nacional 2013 Taça de Portugal 2013 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2013 PROVA Nº 6 (PARTE I) OUVINDO O FLECHA DE PRATA PASSAR… Autor: Verbatim Este é um caso
antigo que, por razões familiares, tive de analisar. Sigo as notas do meu
tio-avô, José Gaio, mas modifico alguns nomes para evitar melindres. Ele era ao tempo
regedor da freguesia de Outeiro do Bailador, situada perto da linha de
caminho-de-ferro do Norte, entre Pombal e Entroncamento. Ali, o traçado da
via dupla, segundo a direcção Norte-Sul, permitia ao comboio rápido Flecha de
Prata atingir uma muito gabada velocidade de 100 km/h. Alguns minutos
depois do sol-posto de um desanuviado dia de Junho de 1945, foi encontrado
morto, na sua loja de comércio, o Sr. António Rijo. A mulher fora à procura
dele, seguindo pelo quintal e entrando pelas arrecadações. Estranhando as
luzes apagadas e já de coração apertado, acendeu um candeeiro de petróleo
cuja localização conhecia. Deu com o marido caído atrás do balcão, inanimado
e com sangue junto da orelha direita. Saiu a gritar, dizendo que lhe tinham
morto o marido com uma pancada na cabeça. Uma criada, que a seguira, já nem
chegou a entrar na zona do balcão. O meu tio-avô, avisado de imediato,
verificou a morte, concluiu que ninguém mais se aproximara do cadáver até à
sua chegada e impediu o acesso à loja de quem não fosse agente da autoridade.
Mas não pôde obstar à rápida difusão da notícia da morte do Rijo com uma
pancada na cabeça. A vítima
apresentava um ferimento na têmpora direita, característico de projéctil
disparado entre um e meio metro de distância. Ao lado do corpo estava um
revólver, propriedade do lojista, com sinais de uso recente, no qual faltava
uma bala e onde não se detectaram impressões digitais diferentes das do dono.
António Rijo tinha calçadas umas luvas de couro, fortes, que costumava usar
para manusear materiais grosseiros ou cortantes. As portadas das duas janelas
altas de iluminação estavam abertas e a porta da rua encontrava-se
destrancada. Não havia sinais de roubo. A venda situava-se
a leste da linha, em frente do apeadeiro, muito próxima da passagem de nível
onde a estrada de macadame atravessava a via-férrea. Não se conheciam
inimigos de António Rijo. Alguns apodavam-no de candongueiro, talvez por
despeito, porque ele não aceitava manobras com as senhas de racionamento.
Muito invejada era a sua viçosa fazenda à beira da Ribeira da Laje. Naquela noite, foi
possível detectar as quatro últimas pessoas que terão contactado com a
vítima, as quais foram formalmente ouvidas no dia seguinte. Aníbal Ruivo, que
morava a dois minutos da loja, por um único e mau caminho, disse: “Estava no
quintal e tinha começado a reparar a rede do galinheiro, quando ouvi o apito
agudo do Flecha de Prata para Lisboa. Era esse, porque o outro, para o Porto,
tinha passado um bocado antes. Foi então que me lembrei que tinha de ir
buscar sulfato. Saí a correr. Sabia que o Rijo costumava ficar na loja,
embora com a porta fechada. E, se não estivesse lá, estaria em casa. Comprei
o sulfato e não dei por nada de anormal. Não sei quem o poderia querer
matar.” Zeferino Carreira
prestou declarações em sua casa, no Casal da Ferradura, um quilómetro a norte
da loja. No momento ouviu-se o apito arrastado do Flecha da manhã para
Lisboa. (Conquanto os comboios rápidos nem sempre fossem pontuais,
funcionavam no Outeiro do Bailador como relógio, dado apitarem sempre que se aproximavam
da passagem de nível. No dia anterior, o segundo e último Flecha para Lisboa
passara às 21h15, quase à tabela). Carreira contou o seguinte: “Fui à venda
do Rijo já depois da porta fechada, porque me demorei na Espinheira a tratar
de assuntos relacionados com uma possível electrificação da freguesia. Levei
a carroça até à loja para poder trazer arame farpado e mais algumas coisas
para a patroa. Cheguei a casa pouco depois das oito da tarde.” Brás Laranjeira,
advogado e proprietário rural, declarou: “Não fixei a hora a que estive na
venda, mas lembro-me que ainda era de dia. Procurei o António Rijo para falar
da divisão da água da Ribeira da Laje. Nada de especial. Ele, no fim da
conversa, até aproveitou para arrumar um resto de arame farpado. Espero que
não julguem que seja minha a arma com que o Rijo se suicidou. Tenho um
revólver parecido, mas muito bem guardado e sem uso há uns bons meses.” Maria Perpétua do
Souto, sexagenária, disse: “Fui de propósito ter com o Tóino Rijo para lhe
pagar onze mil reis. Deviam ser umas oito horas. Ele tinha a porta
entreaberta. Mas eu era lá capaz de lhe dar uma sacholada na cabeça! Credo!” Haverá
incongruências nas declarações, ou entre elas, que nos levem a suspeitar de
alguém? O que terá acontecido? Explique tudo e diga de sua justiça, caro
leitor. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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