Publicação: “Audiência Grande Porto” Data: 10 de Julho de 2018 Torneio “Solução à
Vista” Provas
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TORNEIO
“SOLUÇÃO À VISTA” PROVA Nº 3 AS TRÊS POLTRONAS Autor: Rigor Mortis João
Velhote dirigiu-se à porta da enorme vivenda vitoriana, onde o esperava um
homem alto, vestido de cinzento-escuro, na casa dos sessenta anos. – Boa tarde
– disse o homem. – É o senhor inspetor da Polícia? –
Inspetor João Velhote. Foi você que chamou a Polícia? – Sim,
inspetor, fui eu. Sou Antero Rodrigues, o curador
desta mansão, sede do War Veterans
British Club. Acompanhe-me, por favor. Atravessando
o hall de entrada e percorrendo um longo corredor,
chegaram a uma sala ampla, com mobiliário escasso mas rico. Cada uma das
paredes laterais tinha duas portas, uma delas marcada
com um discreto sinal WC. À frente, uma portada de enormes proporções, de painéis
de vidro, virada para o não menos magnífico jardim das traseiras. No centro
da sala, a uns dois metros da porta para o jardim, três poltronas de cabedal
de espaldar alto e amparos de cabeça, uma de frente para o jardim, as outras
paralelas a este, uma de cada lado da primeira, sobre um espesso tapete
oriental. À direita de cada poltrona, uma mesa de apoio, cada uma delas com
um copo cheio e uma tacinha com amendoins, duas delas com revistas e jornais
em cima. Na
poltrona da esquerda estava um corpo de homem, ensanguentado, com o tronco
caído sobre os joelhos. No chão, à frente, uma pistola com silenciador.
Atrás, aos pés da mesa de apoio, duas revistas e folhas soltas de jornais,
meio amarrotadas e espalhadas no chão. Bastante sangue no tapete, ao centro
entre as três poltronas. Observando o cadáver, Velhote notou um orifício de
bala na testa, logo acima dos olhos. Na nuca, também ao centro, outro
orifício. Intrigado, o inspetor não encontrou nenhum projétil incrustado
nessa poltrona. Mas, levantando os olhos para a que estava em frente, viu
logo o buraco deixado pela bala, à altura da cabeça. –
Conte-me lá, senhor Rodrigues… – convidou o inspetor. – Bom…
Aquele é o senhor Luís da Mata, um dos quatro sócios fundadores do clube. Os
outros foram os senhores António de Carvalho, Carlos dos Santos e Lord George
Kelvin, barão de Windlecroft. Lord Kelvin faleceu
há quatro meses. Milionário, solteiro e sem descendência, foi ele quem
adquiriu este terreno e mandou construir esta mansão, há uns cinquenta anos,
para ser sede do clube. Ao falecer, deixou toda a sua fortuna ao clube,
garantindo a sua preservação com os padrões que lhe conferiu. Os quatro
combateram na 2ª Guerra Mundial, no mesmo Regimento, tendo sido condecorados
por atos heroicos no Extremo Oriente, na luta contra os Japoneses. Segundo
sei, os três portugueses salvaram a vida de Lord Kelvin numa terrível batalha
na Indochina. – O
clube tem agora dez membros, hoje nonagenários. Todos vêm cá regularmente,
mas os três senhores que mencionei estão cá todos os dias. Chegam a meio da
manhã e sentam-se nesta sala, lendo os jornais e revistas do dia até à hora
de almoço. Almoçam aqui no clube, rigorosamente às 13h, e só saem a seguir,
pelas três ou quatro da tarde. O senhor António senta-se sempre precisamente
na poltrona onde está o corpo do senhor Luís, que se costuma sentar na
poltrona oposta. A do meio, virada para a porta, é sempre ocupada pelo senhor
Carlos. – Embora
tenham sido no passado grandes amigos, certamente por terem estado juntos em
situações muito difíceis, não se falam desde que o barão morreu. Travaram-se
de razões, julgo que por cada um deles entender que Lord Kelvin não lhes
deixou a sua fortuna devido aos conselhos que os outros dois lhe tenham dado.
– Luís
da Mata sentava-se por vezes na poltrona onde está o corpo? – perguntou o inspetor. – Nem
por sombras! Nenhum deles se sentaria noutra que não fosse a “sua” poltrona!
Nem toleraria sequer que qualquer dos outros se sentasse na “sua” poltrona!
Ou que tocasse num objeto “seu”! – Têm
sido pessoas saudáveis? – Nunca
os vi doentes, nem mesmo com uma gripe. São fisicamente muito fortes e mantêm
toda a sua lucidez e inteligência, apesar dos noventa e tal anos que têm! – A
pistola que ali está, era do senhor Luís da Mata? – Não senhor.
É do senhor Carlos, que a tem guardada, bem como o silenciador, no seu
armário privado aqui no clube. Antes que me pergunte… Cada membro tem um
armário privado no clube, fechado com cadeado, onde pode guardar o que bem
entender. Todos os armários estão no corredor para onde dá aquela porta –
Antero apontou para o lado esquerdo. – Os
cadeados são normais, mas as chaves estão todas na posse do membro
proprietário. Acontece que o senhor Carlos, tal como o senhor António,
costuma por vezes praticar tiro num local que temos para o efeito e, por
isso, vi muitas vezes um e outro com a respetiva arma. O uso do silenciador é
uma imposição, para não perturbar os outros membros do clube. – Hoje,
estavam aqui os três? –
Chegaram pelas 10h, como sempre, e sentaram-se nas suas poltronas, onde
passaram a manhã. Servi-lhes os aperitivos habituais às 12h30, como faço
todos os dias – Gin e tónica, nunca bebiam outra
coisa. Nesse momento o senhor António levantou-se e foi à casa de banho,
àquela ali à esquerda. Uns minutos depois, quando eu regressava à cozinha,
foi o senhor Carlos que se levantou e foi também à casa de banho, mas àquela
ali do lado direito. O senhor Luís manteve-se sentado, a ler o jornal em
silêncio. Devo dizer que este cerimonial era repetido todos os dias, sem
exceção – os dois senhores ficavam um bom quarto de hora na casa de banho. – Às 13h
voltei para os chamar para o almoço e deparei com esta cena… Fiquei
tremendamente chocado, como compreenderá! – E os
outros dois senhores? – Quando
aqui cheguei não estavam na sala, nem nas casas de banho. Encontrei-os na
varanda da sala de jantar e contei-lhes da morte do senhor Luís, logo antes
de telefonar para a Polícia. – Muito
bem… Obrigado pela sua minuciosa descrição… Chame lá os outros dois senhores,
porque quero falar com eles, naturalmente. Ainda que julgue já saber o que
aqui aconteceu… DESAFIO
AO LEITOR: Caro
Leitor, é a sua vez! Baseado na minuciosa descrição
do Antero Rodrigues, curador do War Veterans British Club, qual é a
sua conceção do que aconteceu naquele dia, naquela sala? Terá Luís da Mata
cometido suicídio? Ou terá sido morto por algum dos seus dois ex-amigos? E se
foi um homicídio, quem o terá cometido? Justifique o seu raciocínio,
pormenorizadamente, através de relatório. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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