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UMA ANDORINHA NÃO FAZ A PRIMAVERA

A. Raposo

Praça das Flores. Um banco de jardim, num solarengo e fresco dia de Fevereiro

Albertino passeava o “terrier branco” como fazia todos os dias.

Era um homem só. Os pais tinham falecido dois anos atrás e ele ficara sem família.

Vivia de renda. Já ia nos quarentas e tais e não havia notícia de namorada.

Sentou-se no banco de jardim habitual e deixou o cão brincar na relva.

Observou os seus sapatos de pelica, como todos os dias fazia. O fato, cinzento às riscas, impecável. Gravata vermelha escarlate.

A sua vida corria monótona e rotineira.

Na outra ponta do banco de jardim, uma jovem trintona lia embevecida e atenta um livro de capa dura.

Quando resolveu descansar os olhos e olhar o ambiente, colocou o livro no colo. Na capa lia-se. “Os melhores contos de Edgar Poe”.

Achou estranho alguém gostar do seu autor policial preferido e logo uma linda rapariga e não se conteve.

A menina desculpe, mas gosta de Edgar Poe?

− Adoro!

− Eu claro também gosto do Fernando Pessoa, mas o Edgar Poe é o máximo. Sobretudo os contos. “A Carta Roubada”, o “Poço e o Pêndulo”…que sei eu…

− “Os Crimes da Rua da Morgue” e “O Gato Preto” são uma delícia.

− E, desculpe-me, já leu o Fonseca? O Rubem Fonseca, o brasileiro. Muito malandreco, de linguagem severina mas deliciosa.

− Não conheço mas estou curiosa…

− Amanhã trago-lhe as “Histórias Curtas” que acabei de ler. Se amanhã vier de novo ao jardim, ofereço-lhe.

− Muito obrigado.

No dia seguinte, voltaram e o mesmo sucedeu toda a semana.

Um dia ela achou-o mais tristonho. Menos falador. Admirada perguntou-lhe:

− Está hoje muito triste, algum problema?

− Tenho um segredo, um segredo sobre a minha vida, uma sina que carrego e não tem solução e não tem volta a dar: sou gay.

Manuela, era esse o seu nome, não reagiu. Nem achou estranho. Como se Albertino tivesse uma constipação, um resfriado. Olho-o nos olhos e disse: Eu sou lésbica e não me queixo.

Uma andorinha rasgou o ar a anunciar uma primavera apenas anunciada.

Manuela levantou-se, beijou-o na face e disse afastando-se:

− Até amanhã!

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 20 de Abril de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2018

 

© DANIEL FALCÃO