INTRÓITO

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UMA QUESTÃO DE NOME

Detective Jeremias

Quem diria que no primeiro dia de sol do mês de Maio eu ia estar enfiada no fim do mundo? Como é possível, em pleno século XXI, existirem no país lugares medievais, sem luz, sem água e sem saneamento? Encontrei uma fiada de pré-fabricados infectos, negros da humidade, a ameaçar ruir, todos no meio de lixo, entre restos de fogueiras e roupa estendida, sem molas, a apodrecer em cordas meio desfiadas.

Estou a estagiar na Câmara Municipal (C.M.) e largaram-me aqui para fazer um levantamento de moradores. Alegaram a falta de condições, blá, blá… mas a verdadeira razão é a construção de uma nova via de acesso às praias da falésia, projectada para passar neste lugar. Para este trabalho recebi formação específica. Formação? Quinze minutos com uma técnica de recursos humanos da C.M., que me entregou uma lista prévia de moradores, fichas coloridas para preencher e me repetiu várias vezes: “Rita, nunca, mas nunca… nunca lhes fales em desalojamento…”. E juntou ainda duas recomendações: deixa-os escolher como querem ser tratados, nome ou alcunha, e leva uma coleira de cão contra as pulgas em cada tornozelo, se não vens de lá toda mordida.”

Odeio este estágio. Sei que tenho só 19 anos, mas sei bem que quero ser escritora, ou contadora de histórias.

O que vale é que já estou quase a acabar o levantamento. Falta-me só um morador. Nunca vi um sítio onde as pessoas fossem tão peculiares.

Deixa-me cá ver a lista… Olha que curioso. No primeiro buraco – recuso chamar-lhe habitação! – vive Virgínia Pureza, que garante a pés juntos estar tão casta como quando veio ao mundo, no dia da primeira aparição em Fátima – faz hoje 101 anos! Logo mesmo ao lado mora Coito Mil-Homens, prostituto assumido de idade indefinida, que gosta de ser tratado por Luana. Segue-se a família Coelho, um casal à beira dos 30 anos com 24 filhos, de idades entre os 3 meses e os 15 anos − parece que os gémeos são tendência na família. O pré-fabricado seguinte é o mais decadente, porque foi o primeiro a ser instalado e é habitado desde então por Eva Barata, uma mulher da má vida que nunca conseguiu sair da prostituição, por praticar preços demasiado módicos. O último com quem falei, foi o senhor Camões, um velho que quando era jovem quase morreu afogado num poço, por causa de uma pedrada que levou no olho direito.

Como disse só me falta um. Deixa-me ver na lista de moradores como é que a pessoa se chama… Adolfo Dias Matatodos.

 

 Esta história ficou por contar, mas saiu exactamente assim no jornal:

 

 

CHACINA FAZ MAIS DE MEIA CENTENA DE VÍTIMAS

 

No massacre do bairro Fim do Mundo, o maior que á memória no distrito, subiu para 31 o número de vítimas mortais assassinadas, porque aí pereceu, também, Rita Literata, de 25 anos, presidente da Junta Municipal, a qual foi violada e assassinada. Há família dos enlutados, apresentamos as condulências.

 

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 27 de Abril de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2018

 

© DANIEL FALCÃO