ANO NOVO, VIDA
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D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2019 |
ALICE JÁ NÃO MORA AQUI Detective Jeremias Há vidas
assim. Há vidas que se voltam do avesso, quando menos se espera, apenas
porque não existe outra saída. Alice vira-se forçada a mudar de vida. Saiu da
cidade onde sempre vivera, estudara e trabalhara. Agora, à distância,
conseguia ver como se deixara mansamente enredar numa teia. É assim a
história de Alice. Pouco depois de nascer os pais sofreram um acidente de
viação fatal e a avó, que sempre cuidou dela, morreu quando ela tinha 18
anos. Alice morara desde essa altura com o companheiro, num relacionamento
amoroso que hoje em dia se rotula como tóxico. Viveu quase dez anos de subtis
humilhações e controlo permanente. O parceiro de vida, a suposta alma gémea,
estendera sobre ela uma falsa asa protectora, que a
isolara e a impedira de ter vontade própria. Quando se apercebeu do logro em
que se tinha tornado a sua vida e pôs um ponto final à ligação, começou o
pesadelo. Um verdadeiro filme de terror, que teve de tudo um pouco, uma
espiral crescendo sem fim: ameaças, cenas de ciúme, perseguições, agressões
verbais e físicas, queixas na polícia, tribunais, ordens de restrição nunca
cumpridas, mais ameaças e mais agressões. Perante uma polícia que não
consegue garantir protecção e um poder judicial sem
qualquer poder, Alice resolveu mudar de vida. Partiu para
bem longe, sem dizer nada a ninguém e tentando não deixar rastro. Demorou
algum tempo a planear as coisas, mas Alice era inteligente, desembaraçara-se do
passado e tornara-se engenhosa em situações críticas. O ponto de partida foi
conseguir uma identidade nova, com um cartão de cidadão falsificado, que lhe
mudou os apelidos e diminuiu cinco anos à idade. Num só dia, deixou o quarto
onde vivia, vendeu o portátil, cancelou a conta bancária, livrou-se de
telemóvel e apagou-se da internet. Pela noitinha, deixou o norte e rumou ao
Algarve, onde o Verão e o turismo trazem maior facilidade de emprego e vida
nova. O corte de cabelo radical e um vestuário mais jovem alteraram-lhe muito
a aparência. Arranjou um trabalho resguardado, a salvo de olhares. Conseguiu
alugar um estúdio, num piso alto, só com possibilidade de acesso pela porta
de entrada e tratou logo de mudar a fechadura. Após um mês de tranquilidade,
Alice estava bonita, confiante e segura. Mas pouco depois, tudo mudou. Alice
começou a sentir-se observada. Na rua suspeitava que era seguida e no
trabalho desconfiou que alguém lhe abrira o cacifo e mexera na mochila. Até
dentro do minúsculo apartamento pressentia qualquer coisa estranha,
completamente irracional. Alice sabia que não era saudável esta sensação
esquisita de ser vigiada e de ter a vida vasculhada. Queria pensar no assunto
e encontrar uma solução. Uma inundação, causada por uma tromba de água inesperada,
interditou o seu local de trabalho e deu-lhe oportuna folga. Regressou a
casa. Ao abrir a porta, o olhar de Alice arregalou-se de espanto – espalhadas
em cima da sua cama-sofá reconheceu as suas peças de roupa íntimas, sobre
elas espojava-se, completamente nu, o homem da Casa das Chaves que lhe
substituíra a fechadura da porta. Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 4 de Maio de 2025 Borda
D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2018 |
© DANIEL FALCÃO |
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