A VIOLADA
| Abrótea SORUMBÁTICO
| Filipa Wilson NOITE INTERMINÁVEL
EM TOBAGO | Cris (Maria Cristina de Aguiar) A ALEGRIA DAS
PEDRINHAS | Peter Pan VÁ-SE LÁ SABER
PORQUÊ… | A. Raposo JUNHO CHUVOSO
| Rigor Mortis INQUIETAMENTO NO
PRINCIPADO | Inspector Moscardo AS NOITES QUENTES
DE AGOSTO | Búfalos Associados RAPOSO
| Zé UM DEDÃO ESPECIAL
QUANDO SURGE OUTUBRO | Inspetor Boavida (…) BORDA
D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018 |
SORUMBÁTICO Filipa Wilson Matias
preocupava-se com o som da vida. Assim quando tocava nas teclas, elas
redimiam-se do seu silêncio e serviam-lhe como fonte de inspiração. Escusado
será dizer que de futuro, se futuro houvesse, elas seriam a sua motivação.
Improvisar fazia parte dos seus receios porque era simplório e apesar das
emoções à flor da pele, incapaz de imaginar algo que fugisse ao seu dia a
dia. Se fosse um pouco mais dinâmico não seria um indivíduo “aborrecido”,
apesar do som dessa palavra lhe dar voltas no cérebro e insónias na cama.
Balançava entre o céu e o inferno por ter dias musicalmente harmoniosos e
outros tão estridentes que roçavam o pesadelo. Tinha uma professora de
solfejo por quem sentia uma paixão desmedida, guardada no fundo do peito com
receio da rejeição. Esta mulher, apesar de lhe provocar emoções
contraditórias, era uma mais--valia na aprendizagem de canto. Havia além dela
um instrutor de piano, andrógeno e desqualificado que lhe dava aulas
gratuitas só pelo prazer de se sentir útil e de se auto denominar professor.
A única verdade desta história assenta no seu particular emprego porque além
de lavar as casas de banho do centro comercial, era despenseiro no
supermercado do mesmo. Não brincava em serviço, mantinha os lavabos
impecáveis e os artigos perfeitamente identificados nas prateleiras, nunca
adulterando os preçários ou influenciando compradores. Sentia-se privilegiado
por ter os sábados para si e por viver uma vida despretensiosa sem percalços
ou variações. Repôs nas
prateleiras, anteriormente vazias, as latas de grão e feijão em falta,
tirando duas para seu proveito, guardadas nos bolsos da bata, sem se lembrar
da câmara de vigilância que ele próprio montara dias antes, a pedido da
gerência. O caso ficaria
por aí se na sua santa ignorância e ingenuidade, não tivesse comunicado o
furto para se sentir de consciência tranquila. Foi imediatamente descartado e
tornou-se sorumbático pelas exiguidades da vida. Obrigado a assentar os pés
na terra deixou-se de ilusões, esqueceu a paixão que tinha pela professora e
a honestidade ganha com as suas atitudes. Hoje vive razoavelmente sem se
importar com os outros, até dizem que vai concorrer a um cargo político. MORAL DA HISTÓRIA Ao Fevereiro e ao rapaz, perdoa tudo quanto faz. Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 25 de Maio de 2025 Borda
D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019 |
© DANIEL FALCÃO |
|
|
|