INTRÓITO

A VIOLADA | Abrótea

SORUMBÁTICO | Filipa Wilson

NOITE INTERMINÁVEL EM TOBAGO | Cris (Maria Cristina de Aguiar)

A ALEGRIA DAS PEDRINHAS | Peter Pan

VÁ-SE LÁ SABER PORQUÊ… | A. Raposo

JUNHO CHUVOSO | Rigor Mortis

INQUIETAMENTO NO PRINCIPADO | Inspector Moscardo

AS NOITES QUENTES DE AGOSTO | Búfalos Associados

RAPOSO | Zé

UM DEDÃO ESPECIAL QUANDO SURGE OUTUBRO | Inspetor Boavida

 (…)

 

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

 

  

JUNHO CHUVOSO

Rigor Mortis

John voltou-se para o pai e perguntou-lhe: O inspector estava desesperado, de péssimo humor.

Olhou novamente para o tapete ao meio da sala, ensopado de sangue. Olhou à volta, mirando os mesmos objectos que já tinha examinado, um a um, não sabia quantas vezes. Leu novamente o documento que o laboratório lhe tinha enviado, comprovando que o sangue era do Adalberto Terrinhas, o dono da casa. Adalberto que, tendo manifestamente sido morto naquela sala, com uma enorme faca de cozinha encontrada no meio da poça de sangue – sem qualquer impressão digital, claro – ninguém sabia por onde andaria.

“Morto não poderá andar por aí! Onde diabo terá o assassino metido o corpo?!” – resmungou pela enésima vez para os seus botões.

Mais ninguém tinha estado naquela tarde em casa além do morto e dos três outros habitantes, a mulher, o filho e um sobrinho. Os três tinham saído logo a seguir ao almoço, e a mulher regressara ao fim da tarde, encontrando a sala naquele estado. O sistema de segurança instalado na casa, bem moderno, não registava nenhuma outra entrada – nem saída, que diabo! – naquela tarde. Os três tinham fartos motivos para querer ver o Adalberto morto. O tipo, rico como um nababo, era sovina até mais não para os familiares, atraiçoava a mulher com várias outras, andava permanentemente a lixar o filho e o sobrinho…

Mas os três tinham aparentemente alibis “à prova de bala”, sobejamente comprovados por terceiros.

“Como é que o raio do cadáver desapareceu?! Quem o levou daqui?! Para onde é que o levou?!” – continuou a resmungar o inspector.

***

Extremamente satisfeito consigo próprio, conduzia o carro desportivo com uma única mão, acima da velocidade limite naquele sítio.

“Nesta altura já terão preso a megera, ou o imbecil do filho dela, ou o idiota do filho da irmã dela! E jamais me descobrirão nesta ilhazinha das Caraíbas! Como é que poderia ter conseguido aqui chegar, morto à facada na minha sala de estar?! Eh! Eh! Eh!” – riu se, orgulhoso de si próprio. “O litro e meio de sangue que tirei de mim próprio em boa altura terá convencido tudo e todos de que morri mesmo naquela sala! E com o temporizador do sistema de segurança da casa bem programadinho, foi fácil sair de lá pelas traseiras, sem nenhum registo nem ninguém que me visse! Bendito o dinheiro que nele gastei!”

Um passaporte falso, dois saltos de avião, e aí estava ele a gozar o sol das Caraíbas! Bom, sol nem por isso… Chovia copiosamente naqueles dias de Junho…

Descuidadamente, entrou no cruzamento. Um enorme camião, incapaz de travar naquele piso encharcado, esmagou o pequeno carro desportivo de encontro à esquina do prédio. Adalberto, já era…

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 8 de Junho de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019

 

© DANIEL FALCÃO