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| Zé UM DEDÃO
ESPECIAL QUANDO SURGE OUTUBRO | Inspetor Boavida (…) BORDA
D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018 |
UM DEDÃO ESPECIAL QUANDO SURGE OUTUBRO Inspetor Boavida Nasceu em
outubro, em casa de seus avós paternos, e guarda lembranças muito nítidas
desse momento. A primeira imagem que retém do seu nascimento é de uns
delicados pés desnudados ao fundo de umas compridas e alvas pernas bem
torneadas, escancaradas para ajudar a dar ao mundo uma nova vida. Com a fome
que trazia, fixou-se no dedo grande de um daqueles pés. Debruçou-se de boca
aberta sobre ele, mas a velha parteira impediu-lhe a concretização da
intenção. Soergue-o até junto das suas desmesuradas tetas descaídas sobre o
avultado ventre e deu-lhe uma valente palmada no rabo, que o levou às
lágrimas. Porém, o que lhe doeu mais não foi a palmada sofrida, mas o dedão
perdido aos pés da cama onde sua mãe descansava. Chorou mais pela frustração
a que foi sujeito do que pela dor sofrida. Um dedão assim exposto não se nega
a ninguém, muito menos a uma pobre alma faminta acabada de ver a luz do dia. Longe de
constituir um trauma, esta sua fixação na sucção dos dedos grandes dos pés
foi-se tornando numa fetiche que se prolongou por toda a vida, perdurando até
aos dias de hoje, passadas que são mais de seis décadas. Nos primeiros anos
da maioridade foi quando teve mais dificuldade em satisfazer esta pancada por
dedos dos pés. Ao princípio, não havia quem percebesse esta sua estranha
fixação e se dispusesse a satisfazer os seus intentos, mas aos poucos foi
encontrando quem não levantasse grande objeção em ajudar a minorar os efeitos
de abstinência da sua tara. Até que, finalmente, casou e ganhou dois dedões
só seus, sempre à disposição dos seus desejos, a qualquer hora, ao despertar
de cada dia, antes da sesta ou ao anoitecer, após o culto da telenovela ou da
ida ao teatro ou ao cinema. Porém, agora, com o passar dos anos, a sua cara metade já não basta para acalmar os seus ímpetos e
decidiu procurar ajuda fora de casa. Os tempos de
praia são os mais propícios a encontrar quem o ajude a ultrapassar o problema.
Depois de escolher o dedo que mais o seduz, explica o seu drama ao titular do
dedão em causa e são raras as pessoas que não se condoem com o caso e aceitam
sujeitar-se a esta experiência. Os dedos sugados na praia dão-lhe um prazer
duplo. O sabor a sal torna a sucção mais agradável. Melhor ainda são os
tempos das vindimas. Quando chega o momento da pisa da uva, que ele promove
no início de outubro, num terreno de sua propriedade, convida alguns amigos e
são poucos os que não dizem presente. No fim da jornada, suga dedo atrás de
dedo, até se saciar. Invariavelmente acaba mole de tanto chuchar dedos
embebidos em vinho, deitando-se depois debaixo de uma árvore, onde curte a
bebedeira num sono profundo. Um sono bom, onde sonha sempre com um dedão
especial disposto a ser sugado pela sua boca faminta de desejo! MORAL DA HISTÓRIA Cada um come do que gosta. Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 22 de Junho de 2025 Borda
D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019 |
© DANIEL FALCÃO |
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