INTRÓITO

A VIOLADA | Abrótea

SORUMBÁTICO | Filipa Wilson

NOITE INTERMINÁVEL EM TOBAGO | Cris (Maria Cristina de Aguiar)

A ALEGRIA DAS PEDRINHAS | Peter Pan

VÁ-SE LÁ SABER PORQUÊ… | A. Raposo

JUNHO CHUVOSO | Rigor Mortis

INQUIETAMENTO NO PRINCIPADO | Inspector Moscardo

AS NOITES QUENTES DE AGOSTO | Búfalos Associados

RAPOSO | Zé

UM DEDÃO ESPECIAL QUANDO SURGE OUTUBRO | Inspetor Boavida

O RAIO IMPIEDOSO!... | João Artur Mamede

CONSOADA | Detective Jeremias

 

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2020

 

  

VÁ-SE LÁ SABER PORQUÊ…

(Conto curto de ticharte de manga à cava.)

A. Raposo

Tudo o que sabemos é que a sora Hermengarda trazia a filha de rédea curta.

Não é por nada mas a sua filha, a Isaltina, era danada para a brincadeira. Não podia ver uma farda que perdia a cabeça. Perdia a cabeça e perdia-se de amores.

Sora Hermengarda fazia de polícia, de gêenerre e de guarda noturno.

Até na missa a maluca da Isaltina arranjava forma de se baldar com o sacristão. Não era a primeira vez que saía pela esquerda baixa e dali era um pulinho até à sacristia, onde Sebastião um mocetão nas suas vinte e cinco primaveras respirava hormonas de cavalo cansado.

Hermengarda ajoelhada perante Santa Filomena, a casadoira, rogava a Deus que a moça não perdesse a cabeça e o resto de enfiada. Estas coisas mesmo que não dê logo frutos, começam a constar e a passar de boca a orelha: olha que a Isaltina dá a sua cabeçada.

E, Hermengarda sabia de experiência feita que um boato vale mais que mil palavras.

Com ela dera-se o mesmo e só o paspalho do marido não dera por nada, que Deus o tenha.…

Um dia apareceu-lhe lá por casa um primo afastado, que tinha andado embarcado de marinheiro no S.S. Afonso de Albuquerque. Fizera umas viagens à India e estava queimadinho do sol de tanto içar a vela. Tinha uns braços musculados e um sorriso malandro. Uns caracóis de cabelo espreitavam por baixo do quico. Uma beata ao canto da boca de lábios grossos. Era solteiro e bom rapaz.

Hermengarda foi logo acender uma velinha no oratório da salinha de visitas e fechar a Isaltina no quarto de hóspedes não fosse ela começar-se a arrimar-se ao primo…

Hermengarda tratou de pôr a escrita em dia com o marinheiro, se ele já tinha alguma, se ganhava bem, se… se… se

Hermengarda chamou a Isaltina, apresentou-o e foi fazer um chá de tília para oferecer ao lanche, mais umas rosquinhas de limão feitas pela Isaltina, único bolo em que era mestra.

O primo ficou de voltar a visitá-las quando da próxima viagem de longo curso até às colónias.

Ainda não tinham passado três meses e a dona Hermengarda começou a ver a sua filha com uma barriguinha a crescer género pepino.

Fez uma retro inspeção e não achou nem uma oportunidade de tal tivesse sucedido.

Até que se lembrou naquela tarde da visita do primo marinheiro e em que ela fora à cozinha fazer o chá e demorara um pouco mais que o costume…

− Ai Isaltina, que estás desgraçada, filha.

− Ó mãe, que diabo, segundo reza o borda d água o chá de tília no mês de Maio não enche barriga.

 

MORAL DA HISTÓRIA

Mais vale bom vizinho, que parente ou primo.

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 8 de Junho de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019

 

© DANIEL FALCÃO