INTRÓITO

A VIOLADA | Abrótea

SORUMBÁTICO | Filipa Wilson

NOITE INTERMINÁVEL EM TOBAGO | Cris (Maria Cristina de Aguiar)

A ALEGRIA DAS PEDRINHAS | Peter Pan

VÁ-SE LÁ SABER PORQUÊ… | A. Raposo

JUNHO CHUVOSO | Rigor Mortis

INQUIETAMENTO NO PRINCIPADO | Inspector Moscardo

AS NOITES QUENTES DE AGOSTO | Búfalos Associados

RAPOSO | Zé

UM DEDÃO ESPECIAL QUANDO SURGE OUTUBRO | Inspetor Boavida

 (…)

 

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

 

  

RAPOSO

Aquela noite de 8 de Setembro escoava-se lentamente, derretida pelo forno de calor que tinha assado todo o dia.

Sentado no cadeirão, totalmente às escuras, pois as janelas continuavam bem fechadas para tentar evitar a entrada daquele bafo a ferver, um homem estava hesitante entre fechar os olhos e passar pelas brasas (normalíssimas numa noite tropical destas) e resistir heroicamente, recordando velhos tempos – outras terras, outras farras, outras … cala-te, boca!

De repente, o homem estremece. A porta abriu-se e entra uma figura vestida de negro com traços, bolas e losangos luminosos a vermelho…

Movimentava-se com gestos surreais, dava saltos acrobáticos e … ó deuses … trazia uma arma, também luminosa, que fazia lembrar as espingardas de caça submarina, com um punho curto e um cano longo!

– Figura … Figura … quem és tu?

– Ninguém! Ninguém se nem já tu me conheces…

Sou a tua consciência e venho vingar todos aqueles a quem fizeste mal. Passaste a vida a criar assassinos, ladrões e mentirosos:

Puseste uma enfermeira com hepatite a matar um gajo à facada, o que, como sabemos, é impossível pois elas são tão dedicadas que nem greves fazem; colocaste a Fatinha a matar o marido mas o tio a safar-se por ter apanhado um juiz amigo da tropa, o que é uma infâmia pois eles só perdoam aos homens que dão porrada nas mulheres; ousaste pôr alguém a matar ao som do Bolero de Ravel, quando esta música só existe para ser dançada pela Bo Derek; atreveste-te a pôr bandeiras do Glorioso e recordar um seu treinador campeão europeu em problemas; mas, sobretudo, foste cúmplice da morte da Nelinha, essa deusa que desceu do Olimpo ao policiário português…

O mundo clama vingança! Vou fazer justiça!

O homem, petrificado, perdeu a voz quando ouviu o gatilho a disparar! Do cano saiu uma bandeira luminosa vermelha, com letras brancas

 

– PARABÉNS, RAPOSO! Um abraço do Tempicos.

 

Abrem-se porta e luzes. D. Lena entra com um bolo de duas velas (não haveria bolo que desse para tantos anos). Atrás dela, vinham todos os melhores amigo (vivos ou só os de recordação) do aniversariante. Começam a cantar o Parabéns a você…

Mas o homem sentado faz um gesto de silêncio. Recupera a voz e geme:

– Saiam da frente! Saiam da frente!!! Tenho de ir à casa de banho mas acho que já lá não chego a tempo…

 

MORAL DA HISTÓRIA

A idade tudo desgasta, e açor velho não voa às águias.

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 22 de Junho de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019

 

© DANIEL FALCÃO