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 (…)

 

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ERA PRIMA MAS NÃO ERA VERA

Inspector Moscardo

Quando Maria de cabo da vassoura na mão, disse com mau modo para Zacarias:

– Vai tropeçar no equinócio e quebra a cara no solstício.

Este saíu, primeiro à pressa e depois em passo moderado, a olhar de relance a porta de casa da amiga.

Aí, estava o caldo entornado. Tudo porque o “iPod” que a prima Luísa lhe dera no Natal, tem uma aplicação que ele para a abrir precisou de a consultar.

Entretanto, na Mãe-Natureza, o rebentar da folha e da borbulha, nas árvores sequiosas de seiva nova, incutia nas pessoas o bem-estar que as guiava a tomar boas decisões.

Tranquilo estava o pessoal do campo a semear o milho, para obter a boa colheita, a podar ainda as árvores frutíferas, a plantar alface e a conjecturar sobre o arrebitar da ervilha.

Zacarias estava cabisbaixo, sentia que só encostando a barriga ao balcão de um bar, se recomporia de tão amargo golpe. O alegre chilreio das andorinhas não lhe aquecia a alma. Nem os acordes de The Age of Aquarius, que lhe chegavam trazidos pela aragem fria lhe despertava o ânimo destroçado.

O dia internacional da mulher, seria uma óptima oportunidade de fazer as pazes com Maria. O convite adequado, o ramo de flores apropriado. A prenda ideal.

Vamos a ver.

Zacarias não resistiu a fumar um cigarro. Planeava as démarches a fazer para a reconciliação amorosa.

Saiu do bar, e começou a caminhar pelas ruas inesperadamente desertas, tentando ordenar as ideias. Ia olhando para os escaparates e quando o álcool da cerveja e aguardente de medronho, começou a fazer efeito, bateu com os olhos numa jóia sumptuosa, mesmo encostada à vitrina da montra pelo lado de dentro. A ourivesaria estava fechada. Nas redondezas a solidão firme com se se estivesse no mais fora de horas, ninguém para testemunhar. Tudo extraordinariamente desabitado. Mais rápido que o pensamento que lhe trouxe a ideia, o ombro parte o vidro de encontrão e a mão alcançou a jóia. Abalou numa corrida em osso quando o alarme ruidoso começou a tocar, dobrou determinadas esquinas, percorreu umas travessas e vielas. Estava a preparar-se para descansar quando ouviu a sirene de um carro da polícia e o sagaz agente Gazua que estava de serviço, lhe deu voz de prisão.

Olhava surpreendido para tudo à sua volta quando um sinal de chegada de GSM, lhe chamou a atenção, para o “iPod”.

Autorizado, viu.

Era Maria. Ainda estremeceu antes de abrir e teria bebido um trago se por acaso estivesse no bar. Dizia:

– Regressa, estás perdoado.

A expressão do seu rosto transmitia alegria. Gazua ao ver tal mudança, perguntou, enquanto lhe colocava as algemas:

– Algo de bom?

– É o que eu mais queria... Ler.

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 13 de Julho de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2020

 

© DANIEL FALCÃO