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BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2019

 

   

ACONTECEU EM OUTUBRO…

Inspector Aranha

Já lá vão muitos anos – mas aconteceu e o episódio nunca foi esquecido…

A criança tinha pouco mais de quatro anos e vivia com a mãe e os avós paternos em casa destes, por o pai se encontrar a cumprir serviço militar obrigatório nos Açores, no decurso da 2ª Guerra Mundial.

Vivia inocente e feliz, alternando o seu dia a dia entre a casa dos avós e a de uma numerosa família – que distava cerca de cem metros, que percorria sozinho porque o local, privado, era vedado e a época não impunha os cuidados de vigilância que hoje se justificam… Era um local para si bastante desejado porque ali dispunha de outras crianças para brincar, espaço livre, animais domésticos à solta, e era tratado com todo o amor e carinho, como se a ela também pertencesse. Ah, e um outro atractivo: com frequência eram-lhe dadas ao lanche fatias de pão caseiro com azeite e açúcar…

Por isso, muitas vezes simulava dormir quando a avó, após o almoço, o mandava dormir a sesta, e, apanhando-a distraída, nos seus afazeres caseiros, “raspava-se” para a sua “segunda casa”.

Aquela família era originária de uma vila sita na proximidade da Serra da Estrela, que naturalmente evocavam com alguma frequência e saudade. E, numa dessas evocações, um dos seus membros de mais idade descreveu a existência, naquela, de neve, muito frio, lobos, etc., prometendo nessa ocasião ao menino que, aquando da sua próxima deslocação lá, a ocorrer em breve, lhe traria um lobinho.

O menino, deslumbrado com a promessa, passou a viver numa ansiedade crescente, especialmente quando se apercebeu que o autor daquela fora finalmente passar uns dias à sua terra natal. E diariamente perguntava quando vinha o H. com o lobinho. Até que lhe disseram que seria no dia seguinte. Ansioso, mal dormiu naquela noite e, no novo dia, assim que pode escapuliu-se, excitadíssimo para casa dos vizinhos, para poder receber o seu tão desejado presente… que, todavia, para sua completa desilusão não chegou, com a justificação de que, por falta de neve, os lobinhos não tinham aparecido…

Completamente confuso, fugiu, correndo. Preocupados foram no seu alcanço, tendo vindo a encontrá-lo sentado no chão, sob uma árvore, chorando sentidamente. Ele, o então menino e hoje o autor destas linhas, ainda não sabia, mas aquela iria constituir uma decepção tão marcante que volvidos mais de setenta anos de vida sobre esse amargo dia ainda a recordaria e lamentava.

 

Confúcio proferiu: “Verifica se o que prometes é justo e é possível, porque a promessa é dívida”. No caso presente, alteraria a parte final para “porque a promessa incumprida pode, por vezes, provocar sentimentos negativos marcantes”.

 

NOTAS:

Aos confrades policiaristas – e em especial à Tertúlia Policiária de Lisboa, responsável pela edição deste “Almanaque” – apresento as minhas desculpas por, em vez de um conto, crónica ou qualquer outro texto de temática policiária, ter optado por um episódio da minha vida particular. Mas, porque esta Página é a do mês de Outubro, mês em que também ocorreu o evento descrito, não resisti a evocá-lo…

Como aproveito para também evocar, com pesar, o desaparecimento físico do Amigo e co-fundador desta Tertúlia, Pedro Faria, igualmente ocorrido num mês de Outubro.

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 3 de Agosto de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2020

 

© DANIEL FALCÃO