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BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2019

 

   

NOVEMBRO PELOS SANTOS, NEVE NOS CAMPOS

Rigor Mortis

Como lhe era habitual, Carolina falava com os seus botões…

“Tenho a certeza que era ele! Mais ninguém podia andar ali pelo bosque ontem, àquela hora! Vi-lhe bem o chapéu por cima dos arbustos! A espreitar-me enquanto fazia uma necessidade…”

“O raio do homem tem uma fixação em mim! Cada vez que me vê não tira os olhos de cima de mim! Até parece que me está a despir com a vista!...”

Carolina odiava o tio Rodolfo. Há muito que estava convencida que o que ele queria era violá-la, assim a apanhasse na altura apropriada. Mas ela era esperta, evitava sempre estar sozinha com ele, fosse onde fosse. Sobretudo em casa.

Aquele dia, em especial, era perigoso, pensou ela. Em casa estavam só os dois, mais a cozinheira. Surda como era, nunca daria por nada. Todos os outros tinham ido à vila, apesar do tempo horrível que fazia, só mesmo aqueles malucos! Lá fora estava um frio terrível, neve a cair forte, um vento cortante e impiedoso.

Sentiu uns passos pesados a aproximarem-se da porta da copa.

“Só pode ser ele!”, pensou. Apressadamente, saiu da copa para a sala.

“Que frio! O melhor é espevitar a lareira!”

Sentou-se sobre os calcanhares junto à lareira, pegou na pá e remexeu a lenha em brasas. Pôs mais dois pedaços de lenha e enfiou-os para baixo das brasas que já lá estavam.

Com as palmas das mãos viradas para a lareira, gozou o calor que de lá vinha.

“Se não fosse o patife do tio Rodolfo, esta vida na aldeia era uma delícia! Por causa dele estou sempre com medo, a olhar por cima do ombro! Raios o partam!”

Estremeceu, ao pensar no que ele lhe faria se a apanhasse a jeito.

“Um dia mato-o! Juro que o mato!”

Sentiu passos a aproximarem-se da sala.

“Ainda bem que o chão é de madeira! Assim consigo sempre ouvir quem se aproxima! Mas ele é enorme! Que faço se se chegar a mim?!”

Olhou em redor.

“O picador de lenha! É isso mesmo!”

Esticando os braços, apanhou o picador de lenha com as duas mãos, segurando--o firmemente como se fosse uma lança. Sentiu os passos já dentro da sala, mesmo atrás de si. Estremeceu novamente, aterrorizada.

“É hoje que o mato!”

Com o picador bem agarrado com as duas mãos, virou-se bruscamente para enfrentar aquele homem terrível que a perseguia impiedosamente, decidida a espetá--lo na barriga…

A sala estava vazia, sem ninguém além dela própria…

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 10 de Agosto de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2020

 

© DANIEL FALCÃO