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BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2018

BORDA D'ÁGUA DO CONTO CURTO - 2019

 

 

JUNHO CALMOSO, ANO FAMOSO

Arnes

Abriu os olhos, regressou ao mundo que conhecia e onde habitavam os seres que mais amava.

Naquele segundo tomou uma resolução. Em legítima defesa, teria que o matar.

Era uma longa relação de 40 anos.

Uma relação que começou às escondidas.

De início foi uma brincadeira, ele provocava-a e ela coquete, agarrava-o, dava-lhe mordidelas e dizia que não passaria daquilo, mas reconhecia que o prazer era o motor do amor que os unia.

Ele lentamente, apoderou-se dela.

Não a largava.

Ela acordava a pensar nele, era a sua última companhia do dia. Se ele faltava, deixava-a a roer unhas, a dar voltas na cama, ansiosa que fosse manhã, para que se pudessem de novo encontrar.

Quando se dava o reencontro, era uma união de sentidos, um renovar de prazer, uma promessa surda que nunca mais se iam separar.

Entretanto ela casou. Constituiu família, mas nunca largou o amor antigo.

O marido sabia, mas pouco falava do assunto. Quando a conheceu, soube logo que seria uma relação a 3 e gostava tanto dela que aceitou.

Por vezes mandava umas indirectas, queria saber quantas vezes se encontravam por dia.

Ela desconversava e mudava de assunto, ou deixava-a a falar sozinho e continuava a encontrar-se, agora à descarada com o amor antigo.

De vez em quando apetecia-lhe acabar com aquela bigamia, pensava que o ía deixar de vez, vingando-se de anos de dependência física, mas passadas umas horas de afastamento, voltava a agarrá-lo e a repetir as juras de amor eterno.

Até que um dia foi ele que se vingou. Mandou-a para o hospital muito maltratada.

Passou-a para o outro lado, de onde sozinha, não encontraria o caminho de retorno.

Uns anjos de bata branca, trouxeram-na de volta e com os rostos dos entes queridos atacados pelo medo de a perder no pensamento, decidiu que chegara a hora e de um golpe só… acabou com ele.

Enterrou o que sobrou e jurou que pagaria o preço pela sua decisão.

Sofreu com a sua ausência, chorou por ele em alguns momentos, ia aos sítios onde se tinham encontrado anos a fio e que saudades a assaltavam dos momentos de prazer.

Mas não voltou atrás. Sabia que não havia retorno e quando chegou o mês de Junho da sua nova vida, ela soube que estaria para sempre livre do cigarro.

Matou-o por amor a si mesma, mas acima de tudo, por amor aos seus.

E não se arrependerá.

 

Moral da história: Mata o vício, antes que ele te mate a ti.

 

Fontes:

Blogue Repórter de Ocasião, 20 de Julho de 2025

Borda D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2020

 

© DANIEL FALCÃO