Publicação: “Público”

Data: 17 de Dezembro de 2017

 

 

Campeonato Nacional 2017

Taça de Portugal 2017

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2017

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 10 (PARTE I)

 

O ÚLTIMO BEIJO?

Autor: M. Constantino

 

Quis construir um problema de fácil solução – o que, parece, consegui – para os 25 anos da secção “Público Policiário”, prestando homenagem ao seu orientador (Luís Pessoa - “Inspector Fidalgo”) cuja tenacidade a par do valor policiário que tem revelado é justamente digna de realce. Incluo na homenagem todos os policiaristas nacionais ou na lembrança destes, e tantos são, que têm ou tiveram passeado o seu brilho, em produção ou decifração, nestas páginas (e outras que a memória guarda) que aspiramos mantenha todo o seu brilho e crescente interesse.

E vamos ao problema:

Ao primeiro contacto com o crime, a única hipótese que se apresentava era a declarada por Pedro: dois mortos, assassínio múltiplo. A intervenção do legista, reduzindo o número de vítima a um, derrubou aquela hipótese simples. O decorrer das investigações adensou o mistério e cheguei a ter três hipóteses: Dário, Pedro e Ema. A hipótese de Ema, que consistia no facto do carro estar parado à porta do edifício e que explicava o beijo ao contrário, após assassínio, acabou por ser eliminada pelo depoimento confirmado desta. O raciocínio admite que a rapariga depois de fazer a maquilhagem, vendo o noivo adormecido na poltrona, foi por detrás desta e acordou-o com um beijo. Este nunca poderia ser o resultado, por exemplo, da despedida quando o foi levar ao escritório, nunca apareceria ao contrário e normalmente não seria na face direita, mas na esquerda, voltada para si. Aliás não se descortina motivo para acção violenta, tempo e oportunidade para preparar todo o quadro apresentado. Até uma possibilidade de cumplicidade cai por terra, como veremos.

Fica-nos pois, nas mãos, um parricídio ou um homicídio.

O parricídio está fora de questão. Dário, nascido e criado no seio da família Luz, não é filho de Lúcio. Este possui sangue tipo AB (que ele considerava mais puro por só existir na raça branca, cerca de 5%), enquanto Dário é considerado dador universal, tipo O. Sabe-se que um genitor do tipo AB não pode ter filhos do tipo O, seja qual for o tipo do sangue da mãe. O pai AB e mãe A nunca o filho é do tipo A ou O, e sendo o pai AB e a mãe O, a filiação materna é impossível. Mas não sendo parricida pode ser homicida? Vejamos: Dário foi derrubado com uma bengalada de Lúcio? Não, com certeza. O médico hospitalar já havia revelado a rotura temporal com impacto no osso frontal, o laboratório científico encontra no extremo interior da argola da bengala vestígios de pele frontal e no interior e início ou começo da mesma argola pequenos cabelos, o que quer dizer que a bengalada foi dada por detrás; se fosse Lúcio a atingir Dário pela frente, a posição da bengala está ao contrário, ou melhor, o quadro visual apresentado não corresponde à verdade. Dário não pode ter-se batido a si próprio nestas condições, excluindo-se dos suspeitos. Não nos resta outra hipótese de suspeição para além de Pedro. Podemos concordar que Dário e Pedro teriam motivações. Nem a vingança, noutrom um possível desfalque (o inquérito o dirá) que Lúcio detectou e foi o motivo da reunião. Pedro, ao contrário do que afirmou, deve ter chegado antes do tio, procurando desfazer-se de algumas provas pois deve ter suspeitado que o tio o descobrira, o que justifica a limpeza dos móveis e outros. Foi apanhado pelo tio que chegou mais cedo confrontando-o com uma nota das suas falcatruas. Perdeu a cabeça, apunhalou o tio e arrancou-lhe o papel da mão. Ao desfazer-se deste, deitando-o pela janela, não notou o pingo de sangue que nele se alojara e caiu no caminho (daí a forma oblonga). Quando ouviu o primo meter a chave na fechadura – verificou-se que ainda tina as chaves na mão esquerda, era ambidextro – escondeu-se atrás das portas do armário, atingindo-o com a bengala. Julgando-o morto, montou a cena, limpou tudo com o cachecol comprido que voltou a pôr ao pescoço, convencido da velha teoria que o mais à vista menos se vê (daí a não se encontrar algo que servisse de limpeza, que no dia seguinte não foi encontrado no beco, bem como a folha de papel levada pelo vento). Acaba por chamar a polícia convencido dos crimes perfeitos. 

© DANIEL FALCÃO