Publicação: “Público” Data: 8 de Outubro de 2017 Campeonato Nacional 2017 Taça de Portugal 2017 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2017 PROVA Nº 9 (PARTE I) A MORTE DO SENHOR AFONSINHO Autor: Inspector Fidalgo O senhor Afonsinho
era uma figura singular naquele meio rural onde as famílias ainda ditavam as
leis. Não em sentido formal, não havia leis específicas que as famílias
criassem e fizessem executar, como é óbvio, mas os subconscientes dos
conterrâneos reconheciam imediatamente neles um poder de autoridade em cada
palavra que proferiam. O senhor
Afonsinho, está bem de ver, tinha tudo para ser personagem principal de um
problema policiário. Era rico, não tinha filhos, vivia numa casona enorme,
com requinte e estilo. Enfim, tinha tudo para ser a vítima perfeita, excepto
um mordomo, que dá sempre jeito quando queremos explanar um crime. Mas não vivia
sozinho porque havia um batalhão de empregados que cuidavam de cada um dos
assuntos que à mansão diziam respeito, mas que só podiam entrar com
autorização do próprio, nenhum tinha chave ou acesso sem a sua acção. E esses
registos ficavam assinalados, com hora de entrada e de saída. Os únicos
dispensados deste ritual eram os seus primos direitos, o Afonso e a
Teresinha, que embora não residissem, faziam questão de ali passar longos
períodos de boa vida. O Afonso era um rapaz de boa compleição física, mas
pouco parecido com o primo, que era homem para cento e muitos quilos de
músculos bem trabalhados no ginásio muito bem equipado do piso térreo. O
Afonso era mais para o gordo, com uma barriguita teimosa e um gosto para os
doces e para a cerveja. A Teresinha era uma moça esbelta e frágil, uma
destroçadora de corações, como comentava o irmão, na risota. O senhor Afonsinho
apareceu morto, como é natural e bom num problema policial. Deitado no chão
do escritório, um vasto compartimento atulhado de livros, dossiers e folhas
avulsas, jornais, revistas e outras coisas mais, num quase perfeito caos.
Junto á porta, deitado no soalho de madeira perfeitamente liso e plano,
olhando o tecto como se procurasse alguma coisa, o cadáver do senhor
Afonsinho aguardava destino. Junto à sua mão direita, estava uma pequena
pistola FN 6,35 mm. A toda a volta da cabeça, pintalgando o soalho, havia
salpicos de um vermelho acastanhado, com forma oval e laivos na parte
exterior, mais estreita, sinais de que alguma agitação houvera por ali,
originando a sua projecção. O Inspector mirou e remirou a cena, de vários
ângulos, à procura da razão do eventual sangramento, mas estava difícil de
encontrar, até que o seu ajudante lhe apontou um pequeno orifício, escondido
entre madeixas de cabelo desgrenhado, um pouco acima da orelha esquerda. Era
mesmo um pequeno orifício de bordos limpos, mas notava-se que havia
queimaduras em seu redor. – Foi à
queima-roupa! – adiantou o assistente – mas foi limpo, limpinho… – Hum… – resmungou
o inspector. Pelo corredor, até
àquele local, viam-se marcas que indiciavam que o corpo fora arrastado e ali
deixado… E os sapatos não mentiam, com os calcanhares raspados e danificados: – Repare, senhor
inspector, estas marcas de arrastamento, sem espinhas! Foi morto fora daqui!
É só descobrir onde e quem o arrastou! – Hum… Perante um incentivo
tão importante como esta dupla resposta do inspector, o assistente foi buscar
uma maleta e começou a alinhar frascos e frasquinhos: – Inspector, vamos
já tirar as dúvidas… Uma gota de tintura de Guaiaco em cima de uma das
manchas, agora uma gota de essência velha de terebentina e… cá está: verde
alface! – Hum… – Ainda vai mais
uma para tira-teimas… Deixe cá ver nesta outra mancha… uma gota de soluto
alcoólico saturado de benzidina e a seguir uma gota de água oxigenada e…
Verde alface! Ó Inspector, não restam dúvidas, são dois exames diferentes que
dão o mesmo, não concorda? – Hum… – Ó Inspector,
pela primeira vez tenho a certeza de que vou dar cabo de quem fez esta
atrocidade, posso mandar chamar os dois irmãos, posso? Mais ninguém aqui pode
ter chegado, já confirmamos isso. Se os espremermos bem vamos saber a verdade
da própria boca! Posso chamá-los? – Hum… |
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©
DANIEL FALCÃO |
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