Publicação: “Público” Data: 2 de Abril de 2017 Campeonato Nacional 2017 Taça de Portugal 2017 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2017 PROVA Nº 3 (PARTE I) SMALUCO E A MORTE DO CHEF JOCA GANITAS Autor: Inspetor Boavida Um dos casos
conduzidos pelo detetive Smaluco mais comentados e discutidos nos bastidores
da Polícia Judiciária, onde prestou serviço após concurso público até ser
reformado compulsivamente, relaciona-se com a morte do Chef Joca Ganitas, um
homem envolvido na noite clandestina de jogos de fortuna e azar. O póquer era
a sua perdição, gastando à mesa de jogo praticamente tudo o que ganhava na
sua reconhecida atividade profissional, terminando quase sempre a noite com
quatro parceiros há muito identificados como perigosos predadores de
jogadores viciados. Todos eles tinham um gosto especial por vinho da casta
alvarinho, que iam bebericando durante o jogo, quase sempre acompanhado por
iguarias previamente preparadas pelo exímio cozinheiro. As dívidas
contraídas por Ganitas nas suas noites mais azaradas eram invariavelmente
saldadas a meio da tarde do dia seguinte em sua própria casa, onde preparava
antecipadamente um pitéu preferido do seu credor da noite anterior. Alberto
Lucas, um sujeito franzino, de pequena estatura, tinha um gosto particular
por caldeirada de chocos com batata-doce. Bernardo Lara, um homenzarrão de
muitos músculos e pouco cérebro, adorava migas à alentejana. Carlos Luís, um
tipo divertido e sempre de bom humor, era o intelectual do grupo e tinha
predileção por lombinhos de porco, gratinados. Daniel Libertino, um simpático
galã com ar de quem ainda vivia no início do século XX, gostava
fundamentalmente de estufado de novilho com ervilhas. A determinada
altura, os dias foram-se sucedendo sem que os petiscos a meio da tarde em
casa do solteirão Ganitas acontecessem e as dívidas foram-se acumulando sem
que as sessões noturnas de póquer parassem alguma vez de ter lugar. A rotina
de fim do dia mantinha-se inalterada e, noite após noite, mal saía do
restaurante onde prestava serviço, o cozinheiro rumava para a habitual mesa
de jogo, sempre na esperança de recuperar o imenso dinheiro perdido para os
seus quatro parceiros, que haviam já começado a exigir, todos eles juntos e
em separado, a liquidação das dívidas, sempre com ameaças mais ou menos
veladas de violência física, ao mesmo tempo que iam exercendo pressão,
através de ameaçadoras mensagens anónimas enviadas por correio. Certa noite, Smaluco,
que se encontrava de plantão na PJ, recebeu um telefonema da PSP dando conta
de uma ocorrência que requeria a intervenção urgente da uma brigada da
polícia criminal. O caso conta-se em breves palavras. Os colegas do Chef Joca
Ganitas, estranhando a sua ausência no posto de trabalho numa noite de muito
movimento, e após várias chamadas telefónicas infrutíferas para sua casa,
decidiram tomar a iniciativa de comunicar a situação à PSP, que foi dar com
ele, por volta das dez da noite, caído na cozinha, com a cabeça dentro do
forno, morto, de nariz enfiado num tabuleiro, com inúmeras queimaduras no
rosto que o deixaram quase irreconhecível. Junto do fogão estavam quatro
cartas de jogar: quatro ases… Um póquer de ases! Quando chegou ao
local da ocorrência, inchado pelas suas conhecidas soberba, fanfarronice e
vaidade, o detetive Smaluco, de gabardina beije vestida e de cachimbo “à la
Maigret” apagado no canto da boca, não teve quaisquer dúvidas de que se
tratou de um acidente. Para ele, o homem havia caído de cabeça no forno
quando o petisco que cozinhara já estava no ponto, ao tropeçar
inadvertidamente numa garrafa de vinho alvarinho que se encontrava tombada no
seu caminho, não muito longe de dois copos com resquícios daquele delicioso
néctar minhoto. E era isso mesmo que ele se preparava para colocar no seu
relatório da ocorrência, não fosse um dos jovens camaradas que o acompanhavam
o ter alertado de forma veemente para o grave erro que iria cometer. Levantou-se
então uma grande discussão, insistindo Smaluco que o seu raciocínio estava
certo e devidamente sustentado nos indícios encontrados, pelo que reportaria
isso mesmo no relatório, fazendo-se valer da sua posição de superior
hierárquico naquela circunstância, por ser o membro da brigada com maior antiguidade
de serviço. Conteve-se, porém, quando se lembrou subitamente que havia
combinado para o fim da noite um encontro com a sua então jovem namorada
Natália, que ficou de esperar por ele num bar do Bairro Alto muito na moda,
logo que terminasse o espetáculo em que participava. E como não a queria
fazer esperar, porque ela não tolerava atrasos e ele não suportava os efeitos
do seu mau humor, deixou ao cuidado do camarada a elaboração do relatório,
que os leitores farão o favor de tentar reproduzir. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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