Publicação: “Público” Data: 16 de Abril de 2017 Campeonato Nacional 2017 Taça de Portugal 2017 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2017 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 2 (PARTE I) TRUFAS E MORTE Autor: Rigor Mortis Não iria de facto
ser nada fácil ao inspector João Velhote provar quem fora o assassino do
Jeremias. Talvez o trabalho de sapa de averiguações à volta da pequena
pistola cromada, da engenhoca a ela associada e do comando de garagem
conduzissem a provas irrefutáveis, talvez a polícia viesse a encontrar alguém
que tivesse visto um dos familiares do Jeremias dirigir-se à mansão noutra
altura que não àquele jantar… Mas iria ser o cabo dos trabalhos. Para mais ele
tinha todas as razões para crer que sabia quem tinha sido o assassino. As evidências
recolhidas levavam Velhote a focar as suas suspeitas nalgum dos três irmãos: – Os outros
membros da família não tinham simpatias pelo Jeremias, mas nenhum deles
aparentava ter rancor extremo pelo homem. – Os três filhos
do Jeremias, todavia, evidenciavam de longa data ódio pelo pai, sem dúvida
causado pelos muitos anos de frieza, aspereza e desprezo com que ele os
tratara. – A construção da
engenhoca que provocara o disparo da pistola exigia inteligência, alguns
conhecimentos tecnológicos e habilidade de mãos, atributos que qualquer dos
irmãos tinha. – Além do Edgar e
do próprio Jeremias, apenas os três irmãos tinham a chave da mansão
ribatejana. Portanto, só eles poderiam em alguma altura ter lá ido instalar a
pistola no lustre. Essa oportunidade só poderia ter ocorrido na tarde do
domingo anterior ao jantar de aniversário, dois dias antes deste, única
altura naqueles dias em que ninguém estava na mansão. Se a instalação tivesse
sido feita antes das limpezas da casa pelo Edgar e pelos criados a pistola
teria sido obviamente detectada – o lustre da sala de jantar não terá
escapado a essa limpeza. Três outros factos
apontavam para que o assassino fosse concretamente a Catarina: – Alberto e Sofia
tinham passado brevemente pela casa, durante as limpezas. Não teria sentido
que o fizessem se pretendessem instalar a engenhoca no lustre. Com os criados
em limpezas – e sabê-lo-iam certamente – não o poderiam fazer sem que fossem
notados. Catarina, pelo contrário, não apareceu na mansão durante esses dias… – Naquele domingo
os três irmãos tinham almoçado juntos em Lisboa, após o que Alberto e Sofia
tinham ido ver um jogo de râguebi da antiga equipa do Alberto, passando
portanto a maior parte da tarde juntos. Catarina não os acompanhara,
afirmando querer ir ao cinema. Distando a mansão uma hora de automóvel de
Lisboa, ela teve portanto a oportunidade para instalar a pistola no lustre,
certamente conhecedora dos hábitos do Edgar e de que a mansão estaria sem
ninguém na tarde desse domingo. Pequena como era, não lhe terá sido fácil
camuflar a pistola no lustre, dada a altura a que este estava – para observar
a pistola disfarçada no lustre, o inspector João Velhote pusera-se de pé em
cima da mesa – mas uma cadeira em cima da sólida mesa de mogno terá resolvido
o problema. – Da descrição da
posição dos convivas à volta da mesa, Catarina ocupava o topo precisamente
oposto àquele em que se sentava o pai, assento que lhe correspondia por ser a
mais nova dos três irmãos. O lustre estava por cima da mesa de jantar,
certamente ao centro desta, e a pistola instalada junto ao seu eixo central,
portanto na vertical ao centro da mesa, apontando para a parte superior da
cadeira onde o Jeremias estava sentado. Sendo a mesa rectangular e estando o
lustre relativamente alto devido ao pé direito da sala, a posição da Catarina
à mesa, no topo oposto ao do pai, era necessária e fundamental para saber o
momento preciso em que a posição do Jeremias fosse tal que a sua cabeça estivesse
na linha de mira da pistola. À sobremesa, esse foi o momento escolhido para
activar o comando de garagem, emitindo o sinal que, recolhido pela antena da
engenhoca que montara e ajustara à pistola, provocou uma corrente eléctrica
no solenóide e a consequente sucção do êmbolo, levando à pressão no gatilho
da arma e ao disparo. O Leitor, com os
seus dotes de telepatia, dispõe ainda de dois outros elementos, que o
inspector João Velhote não podia conhecer já que não teve acesso aos
pensamentos do assassino durante o jantar: – Quando o
assassino se interroga sobre se o Jeremias estaria a desconfiar de alguma
coisa, a pergunta que coloca a si próprio é “Será que ele desconfia de alguma
coisa?... De mim, ou dos meus irmãos?...” Obviamente, quem coloca a pergunta
é uma das irmãs, já que se fosse o Alberto teria pensado “De mim, ou das
minhas irmãs?” – Ao criticar
mentalmente as tias, a assassina diz para si própria “Felizmente, uma mulher
hoje é muito mais que roupas e culinária!” Quando comenta mentalmente o
consommé, o seu pensamento é “Magnífico consommé! O Edgar levou a cozinheira
a exceder-se!” Estes são pensamentos muito mais atribuíveis a uma mulher de
características bem femininas – a Catarina – do que a uma mulher de porte
atlético e altamente habituada a uma forte competição de natureza física – a
Sofia. Certamente
que o Leitor também terá também concluído que foi a Catarina quem matou o
Jeremias!... |
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©
DANIEL FALCÃO |
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