Publicação: “Público” Data: 2 de Outubro de 2016 Campeonato Nacional 2016 Taça de Portugal 2016 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2016 PROVA Nº 9 (PARTE I) NUM BAIRRO POPULAR Autor: Verbatim Era um bairro
modesto, de gente de trabalho. Mas, por ali, também havia intriga, traição,
roubo e até crime de morte. Naquele rés-do-chão direito, onde a mãe habitava,
Ernesto Vigário disse tê-la encontrado morta, por estrangulamento, perto das
nove horas. As equipas da polícia chegaram ao local rapidamente. A vítima, Maria
Antónia Vigário, viúva de 77 anos de idade, vivia sozinha há seis anos. Não
tinha bens susceptíveis de cobiça. O rés-do-chão, onde morava, era propriedade
dos seus dois filhos: Maria do Carmo, a viver em França, e Ernesto que
residia a cerca de quinhentos metros de distância. Este último confessou, ao
Inspector Flávio Alves, que andava há muitos meses de candeias às avessas com
a mãe, embora lhe telefonasse quase todos os dias e a visitasse pelo menos
uma vez por semana. “Nunca deixei de
ter a chave desta casa – acrescentou Ernesto Vigário – e foi o que me valeu
esta manhã. Resolvi vir, embora seja quinta-feira, porque ontem a minha mãe
não atendeu o telemóvel nem o telefone fixo, o que me deixou apreensivo. É
verdade que já eram onze da noite… Quando hoje voltei a ligar e não me
respondeu, vim logo para aqui. Fiquei em estado de choque. Julgo que apesar
disso tive o bom senso de não mexer em nada e de vos chamar pelo meu
telefone. Olhando em volta pareceu-me tudo no seu lugar. Quando entrei, a
minha preocupação logo dobrou, ao dar com a porta só no trinco. A televisão
estava acesa no canal que verificaram. Até parece que a minha mãe estaria a
vê-la quando foi atacada.” Flávio Alves
reteve Ernesto Vigário até à remoção do corpo da mãe e proibiu-o de anunciar
o falecimento, pelo menos até ao dia seguinte. A equipa médica
concluiu que a morte ocorrera entre 21:30 e as 23:30 do dia anterior e que se
devera, quase de certeza, a estrangulamento realizado com o auxílio de uma
gravata escondida sob o sofá onde a vítima se encontrava. A senhora estava
com um roupão ligeiro, vestido sobre uma camisa de dormir. Não se vislumbrou
o menor sinal de assalto. Encontrava-se tudo muito bem arrumado. Ainda nesse dia,
foram ouvidos os vizinhos dos outros três apartamentos do prédio. No rés-do-chão
esquerdo morava um casal sexagenário com uma neta de 11 anos. A pequena
deitara-se perto das dez horas do dia anterior e saíra às 7:30 para a escola,
afirmaram os três em separado. Disse a moça que vira a D. Antónia falar com a
avó e o avô antes e depois do jantar, no patamar de entrada. Os avós
confirmaram essas conversas. Teriam falado, primeiro, sobre a zaragata havida
num edifício vizinho. E, a seguir ao jantar, terão atendido a D. Antónia, que
ali viera oferecer um pedaço de bolo de chocolate que confeccionara. Os dois
perguntaram se era possível ir visitá-la ao hospital. Os vizinhos do
primeiro esquerdo, um casal jovem, declararam ter ouvido dizer, quando
passaram pela barbearia, no regresso a casa, que a D. Antónia fora agredida
por assaltantes, na noite anterior. Manifestaram o seu espanto e asseveraram
que, se alguém tivesse entrado no rés-do-chão direito e feito mal à D. Antónia,
eles haviam de ter dado por isso. Entendiam que só uma pessoa bem conhecida
da D. Antónia a podia ter assaltado e agredido sem que houvesse barulho. Era
verdade, acrescentaram, que não se davam lá muito bem com a senhora por causa
dos muitos protestos dela, devidos a umas festinhas de fim-de-semana. No primeiro
direito vivia uma senhora, conhecida por D. Patrocínio da Praça, dos seus
cinquenta anos, vistosa e forte, divorciada de Ernesto Vigário, mãe dos dois
filhos comuns, uma moça de 22 e um rapaz de 19 anos que viviam com o pai.
Apresentou-se com ar choroso por ter sabido que D. Antónia fora
hospitalizada. “Saí pelas seis e meia da manhã. Vi que não havia sinais de
qualquer perturbação e fui à minha vida descansada. Trabalho muito. Só voltei
às cinco, como viram. Dava-me muito bem com a minha sogra que, na verdade, já
não o era. Ainda ontem, depois do jantar, lá fui dar-lhe um beijinho. Ela
estava tão feliz! Estranho, não é? Mal sabia que a iam matar. Não me
conformo. Só me arrependo de não lhe ter feito companhia a ver a televisão,
mas tenho de me levantar muito cedo… O meu ex-marido é que tinha a chave da
casa. E, se eu tenho umas mãos fortes, as dele são capazes de estrangular um
cavalo sem qualquer ajuda. Deus me perdoe, que não quero acusar ninguém, mas
o Ernesto era muito ruim para a mãe. Ela só queria poder ficar completamente
independente dele. Eu tinha um plano…” Os vizinhos
confirmaram as boas relações de D. Antónia com a D. Patrocínio e, ao
contrário desta última, mostraram apreço por Ernesto Vigário, que diziam ser
muito atencioso, apesar do ar agigantado e reservado. A vítima tinha no
bolso do roupão uma carteira com diversos cartões pessoais, um recibo da
cabeleireira, um talão de caixa de jogos da Santa Casa, um rascunho de
compras a fazer e fotografias de uma rapariga e de um rapaz. O seu telemóvel,
pousado numa mesinha ao lado do sofá, registava, desde as 18:00 de
quarta-feira até às 8:30 de quinta-feira, uma chamada para D. Patrocínio, às
19:10, e três chamadas tentadas pelo filho, às 22:54, 23:01 e 8:20. O relógio
do telemóvel estava certo. Ainda na tarde de
quinta-feira, foi procurado na casa da vítima o recibo do Euromilhões a que
respeitaria o talão de caixa, mas nada se encontrou. Confirmou-se que as fotografias
eram dos netos da D. Antónia e que a gravata encontrada debaixo do sofá
pertencia a Ernesto Vigário. Ele deixara-a lá na semana anterior, num dia
muito quente. Flávio Alves já
mandara uma cópia do talão de caixa para o Departamento de Jogos da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa. Na terça-feira anterior, data do talão de
caixa de D. Antónia, os prémios mais altos em Portugal foram três terceiros,
um pouco acima dos cinquenta mil euros cada um. Mas, ainda antes dos vários
resultados e confirmações, cujo apuramento estava em curso e demoraria alguns
dias, urgia, talvez, proceder a uma busca. Quais as
conclusões preliminares a que terá chegado Flávio Alves para poder requerer
um mandato de busca e que busca seria essa? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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