Publicação: “Público” Data: 7 de Agosto de 2016 Campeonato Nacional 2016 Taça de Portugal 2016 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2016 PROVA Nº 7 (PARTE I) A MORTE DE BERNARDO DO SOUTINHO Autor: Paulo 1901, aldeia de
Mouriscas do Carregoso, em pleno coração da Beira da Alta. O vigário da
paróquia, o regedor e mais dois habitantes da localidade, Joaquim Baldaia e
Porfírio Clemente, proprietários de mais de metade dos terrenos cultivados e
pinhais, estavam sentados em torno de uma mesa, onde quatro copos de vinho
tinto e uma jarra de barro preto pousavam. – Faz hoje um ano
que aconteceu a tragédia, dizia o vigário Castanho. – É verdade!
Parece que foi ontem! E até aparenta que nós estamos a festejar uma desgraça,
retorquiu o Joaquim Baldaia. – Realmente até se
pode pensar isso, mas apenas estamos a beber com um dia de atraso ao meu
aniversário. Ontem, no dia certo, a 28 de fevereiro, não conseguimos reunir o
grupo, mas hoje cá estamos nós, referiu Porfírio, levando o copo aos lábios. O Baldaia
continuou. – Lembro-me que
foi logo depois do dia em que fazes anos. Tínhamos estado todos juntos na
véspera, e no dia seguinte apareceu o Bernardo do Soutinho morto. Há momentos
que ficam marcados pelas coincidências e esse foi um deles. – Era bom homem,
mas teimoso como uma mula. E tu, Joaquim, bem o podes confirmar. Joaquim Baldaia
olhou para Porfírio, que acabava de proferir estas palavras. – Meteu-se-lhe na
cabeça que eu andei a mudar os marcos no lameiro, a mexer nas estremas. Mas
não passavam de invenções da cabeça dele. Aliás, Porfírio, também andou com a
mesma cantilena para contigo. – Sem dúvida, meus
amigos, ele era um homem um pouco estranho – acrescentou o vigário Castanho.
– Desconfiado e avarento, mas justo. – Concordo
consigo, senhor vigário. E o corpo ter sido achado tão breve, foi obra
divina, talvez em recompensa por ele ser justo. Se o senhor não tivesse vindo
da Cumeeira pelo atalho do Conguedo, depois de dar
a extrema-unção à velhota Marquitas, o Bernardo poderia ter ficado lá alguns
dias a apodrecer até ser encontrado, interveio o regedor. – É verdade! Vinha
com o rapazito, o Zé, filho da Maria Albertina da Corujeira, quando no meio
do pinhal dei com o Bernardo com a cabeça aberta e os miolos de fora. Mandei
logo o rapaz ir dar o aviso do sucedido ao senhor regedor. Consegui que o
miúdo nem visse aquela sangria toda. – Mas encontrou-me
a mim antes, disse o Porfírio, e acabei por ser eu a dar o recado aqui ao
nosso regedor. Fui em busca dele depois do rapaz me ter dito onde estavam o
Bernardo e o senhor vigário e de eu o ter mandado para casa. Encontrei o
nosso regedor e fomos os dois ter com senhor vigário. – Um sacerdote
deve estar preparado para ver tudo, mas confesso que mirar os miolos do
Bernardo do Soutinho ao ar, me deu a volta à barriga e vomitei enquanto
estive à espera. Acabei por me afastar do corpo um bocado, para descansar os
olhos daquele horror, e foi quando vi o calhau usado para lhe abrirem a
cabeça. Joaquim Baldaia
que escutava com atenção acrescentou. – Eu só soube o
que aconteceu um dia depois. Naquele dia a seguir ao aniversário do Porfírio
estive todo o dia na vila. Fui de manhã e cheguei já de noite, que ainda são
quase duas léguas para cada lado, para tratar de uns assuntos na Fazenda.
Primeiro que nos resolvam por lá os problemas…., esperamos um dia. Abrem
livros, fecham livros e um homem a esperar. – Aquilo foi
vingança de terras ou de mulheres, sentenciou o regedor. – Ainda hoje tenho
pesadelos com os miolos do Bernardo, acrescentou pesaroso o vigário Castanho.
Enquanto esperava que o senhor regedor chegasse, fiquei junto da pedra
ensanguentada a orar, de olhos fechados. Na altura fiquei muito perturbado.
Nem percebi bem o que se estava a passar. – Acredito,
acredito, atirou o regedor. Por isso o senhor vigário estava umas dezenas de
metros do corpo quando cheguei e nem o estava a ver a si nem via pedra
nenhuma. – Nem eu reparei
na vossa chegada, disse o vigário. Fiquei mudo e quase cego. Só consegui
voltar a falar quando me aproximei dos meus dois amigos. Clemente sorriu e
acrescentou: – Pois fui eu que
o vi e o chamei dizendo-lhe para trazer a pedra consigo. O regedor tomou a
palavra. – O certo é que
ele morreu e nunca se descobriu quem lhe abriu a cabeça. O clérigo levou o
copo à boca, enquanto os outros o imitavam silenciosamente. Depois disse: – A justiça
terrena não conseguiu até agora encontrar e castigar o matador, mas a divina
não o deixará escapar. Porém, a partir de hoje, infelizmente, eu também sei
que posso ajudar a que ele não escape à terrena. E com esta
sentença do vigário Castanho lança-se um repto aos leitores. Conhecidos os factos, que poderão os nossos
detetives acrescentar em relação ao crime? Há alguma pista que não foi
explorada e que permitiria avançar na descoberta do criminoso? Elaborem os
vossos relatórios. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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