Publicação: “Público” Data: 10 de Julho de 2016 Campeonato Nacional 2016 Taça de Portugal 2016 Provas
|
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2016 PROVA Nº 6 (PARTE II) AS ASAS DA VÉNUS DE MILO Autor: Búfalos
Associados Pelas seis e meia
da tarde, o 112 recebeu de um tal Raul Beleza um pedido de socorro para a
moradia de D. Lina de Freitas, onde ela fora encontrada sem vida ao fundo das
escadas do interior de sua casa. Deixara na queda vestígios de sangue nos
degraus e nas paredes, provenientes sobretudo de uma grande ferida visível na
nuca. A entrada na casa
fazia-se directamente para uma grande sala que, por
uma escada de tiro de 15 degraus, comunicava com o andar de cima onde se
situava o escritório. Não havia qualquer telefone fixo e D. Lina não usava
telemóvel. A casa era isolada, rodeada por um pequeno jardim e situada num
pequeno beco mal iluminado, sem saída e terminando num alto muro. Das
investigações realizadas o inspector Garrett apurou
os seguintes dados: – D. Lina vivia
sozinha, era viúva de um rico industrial do norte e dedicava-se há alguns
anos a emprestar largas quantias em dinheiro, a troco da entrega de objectos de valor (jóias, obras
de arte, etc.) cobrando elevados juros. Tudo era feito em dinheiro e sem
recibos. Para aquele domingo de Dezembro tinha convocado pelo correio os
quatro maiores devedores com o intuito de lhes fazer um ultimato, pois há
muito já que os prazos tinham expirado e os juros atingiam montantes
importantes. – No escritório,
sobre a secretária, foi encontrado um papel com a ordem das entrevistas: às
15 horas Amílcar Santos, às 16 Raul Beleza, às 17 Luís
Gomes e às 18 Daniel Aldeia. Garrett apurou que os quatro homens não
se conheciam entre si e ao ser-lhes perguntado, em separado, como correra a
conversa, declararam: – Amílcar disse
ter chegado à hora aprazada e que a conversa com D. Lina fora rápida.
Esperava poder pagar em breve, após fechar um negócio. Ela não lhe parecera
nada bem- disposta e chamou-lhe a atenção uma estatueta em ouro, réplica da
Vénus de Milo, poisada em cima da secretária. Perguntou-lhe pelo valor da
peça ao que ela respondeu ser incalculável. Pesaria mais de 7 quilos, era em
ouro maciço e o trabalho artístico devia ser valioso. – Raul disse ter
chegado atrasado, pois morava bastante longe de Lisboa, e ter prometido pagar
em breve. Saíra de volta a casa por volta das 16.45 e disse nem ter reparado
em qualquer estatueta da Vénus de Milo em cima da secretária. Mais tarde,
seriam seis horas, quase a chegar a casa, verificou que se tinha esquecido do
telemóvel em cima da secretária da senhora. Voltou e, ao arrumar o carro à
entrada da rua, ainda viu um vulto a correr na sua frente, levando algo
debaixo do braço, mas não o reconheceria pois só o viu de costas. Encontrou a
porta da rua escancarada e a D. Lina caída no chão ao fundo das escadas,
aparentemente morta. Nem chegou a subir e chamou o 112, tendo tido o cuidado
de esperar na rua sem tocar em nada. – Luís declarou
ter chegado um pouco antes da hora e ter reparado num carro estacionado
perto, com alguém dentro lendo um jornal que lhe tapava a cara. Teve uma
longa conversa com a senhora que lhe pareceu muito irritada, tentou acalmá-la
e até lhe entregou uma importante verba para amortizar a dívida, em notas que
ela colocou debaixo de uma curiosa réplica em ouro da Vénus de Milo. Prometeu
pagar o resto em breve. Quando saiu, seriam quase seis horas, depois de
fechar a porta da rua, recordava-se de ter visto o mesmo carro com uma pessoa
dentro, estacionado ali perto. – Não foi fácil
contactar com o Daniel, que disse ter andado todo o dia em compras de Natal e
ter-se esquecido completamente da entrevista com a D. Lina. Mas não queria
vir a perder o direito a reaver uma estatueta em ouro representando "uma
mulher sem braços, nua da cintura para cima", que em tempos lhe tinha
entregado como penhor de um avultado empréstimo. Só que ainda não tinha com
que lhe pagar. E no fim exclamou: "Não me digam que aconteceu alguma
coisa à gaja!" – O relatório
médico da polícia concluiu que a morte ficara a dever-se a uma fortíssima
pancada na nuca com objecto muito duro, pancada que
antecedeu a queda pela escada abaixo, a qual provocou outros ferimentos. Foi
já depois dos interrogatórios que a polícia constatou que a Vénus de Milo não
foi encontrada na casa, nem sequer dinheiro algum. Um cofre estava inviolado. E o inspector Garrett acabou por concluir que: A – Não há
indícios que permitam apontar um criminoso. B – O criminoso teve
claramente um cúmplice. C – Pelo menos
cinco pormenores denunciaram o criminoso. D – Tudo
indica que o Daniel mentiu e é ele o culpado. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
©
DANIEL FALCÃO |
|