Publicação: “Público” Data: 5 de Junho de 2016 Campeonato Nacional 2016 Taça de Portugal 2016 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2016 PROVA Nº 5 (PARTE I) SMALUCO NO RÉVEILLON Autor: Inspector Boavida Nunca um
novo ano havia começado tão mal para Smaluco. Ele decidira aceitar um
insólito convite para participar no Réveillon do Clube da Boa Saúde,
vulgarmente conhecido por CBS, mas depressa se arrependeu. Criado e gerido
por personalidades ligadas ao setor da saúde, o CBS reunia naquela noite
apenas membros da sua direção, funcionários, sócios e convidados. O nosso
detetive aposentado sentiu-se, ao princípio, profundamente deslocado. E se
não fosse a companhia da sua amada Natália Vaz, talvez tivesse batido em
retirada muito antes de soarem as doze badaladas. Excetuando Natália e um
conviva de porte altivo e com modos de anfitrião, que ele jurava conhecer de
algum lado, todos os seus companheiros de passagem do ano eram-lhe
desconhecidos. O
desconforto inicial acabou rapidamente por dar lugar a uma integração plena
na festa. Mas, após alguma diversão, com música, gargalhadas e champanhe a
rodos, algazarra e animação, em espaço onde habitualmente se passeia luxo e
elegância, eis que caiu a escuridão sobre os convivas. Quando a luz se
apagou, irromperam no salão apelos quase lancinantes de “não empurrem!”,
“cuidado, não me pisem!”, “larguem-me!”. Cinha Quintal, que estava mascarada
de pobre, foi empurrada e quase caiu no chão. Quem não conseguiu evitar a
queda foi a sua amiga Lili Malveira, fantasiada de Marilyn Monroe, que
arrastou consigo uma conhecida cartomante e apresentadora de televisão, Gaya
de seu nome, que vestia uma fantasia de jogador de futebol do SLB. A
ausência de luz durou breves instantes, não mais do que dois minutos. Quando
a claridade voltou tudo seria como dantes, não fosse um grito de terror ter
subitamente ecoado no meio do salão de festas. Lili, de olhos arregalados de
horror, afogou-se em lágrimas nos ombros do companheiro de Natália. Esta, por
sua vez, cirandava feliz e sorridente pelo bar do Clube, afagando, com as
suas prateadas mitenes, o fino cristal de mais uma flute de champanhe. Caído
no centro do salão, com um punhal cravado no lado esquerdo do peito, estava o
obstetra Eugénio Brotas. A seu lado, junto da sua ensanguentada mão direita
via-se um cartão-de-visita do CBS com um nome escrito a… dedo e sangue:
Smaluco! Os olhares dos presentes voltaram-se todos para o detetive. Perto de
uma hora depois de o tesoureiro do CBS se ter retirado com o propósito de
telefonar para a polícia, fez-se anunciar um jovem inspetor, que começou por
confirmar se o salão já tinha sido evacuado, perguntando de seguida onde
estava cada um dos presentes quando a escuridão invadiu o salão. Depois, no
gabinete da direção do Clube, quis saber onde estavam os dirigentes no
momento em que faltou a luz no salão. O vice-presidente, Ricardo Nódoa,
cardiologista, disse que se deslocava para os lavabos nesse preciso momento.
O tesoureiro, António Poeira, analista, estivera sempre na entrada do salão a
coordenar os serviços de receção e a fazer a verificação de convites. O
secretário, Pedro Calhau, ginecologista, tinha como missão a gestão dos
serviços do bar e estava por lá. O vogal, José Biscoito, psiquiatra, tinha ao
seu cuidado a música da festa e estava também a uma grande distância da zona
onde o presidente havia caído. Os
depoimentos dos diretores do CBS não puderam ser confirmados pelos convivas.
Todos eles se declararam pouco atentos ao que se passara em seu redor. No
interrogatório apenas foi possível concluir que, para além de Smaluco, apenas
Cinha, Lili e Gaya se encontravam perto do presidente quando a luz voltou ao
salão. Nenhum deles se lembrava, porém, de algo que pudesse ser relevante
para a investigação do caso. O inspetor procurou saber depois a razão da
ausência dos membros do conselho fiscal e da mesa de assembleia geral do CBS
e foi informado de que todos alegaram afazeres profissionais, embora se dissesse
em surdina que os primeiros se haviam manifestado contra a realização da
festa, devido a dúvidas surgidas nas contas do Clube. Alguns
dias depois, já Natália havia recolhido à cadeia por ter terminado a sua
licença precária, Smaluco recebeu um telefonema do jovem inspetor que, em
nome do respeito pelo passado de um colega que deixara uma marca singular na
Polícia Judiciária, disse sentir-se no dever de o alertar para a necessidade
de se preparar para explicar o facto de o sangue constante do cartão encontrado
junto ao corpo do Dr. Brotas ser… AB Rh negativo, como o seu! Segundo o
inspetor, o caso era sério e podia valer-lhe uma condenação pesada. Quando
soube desta estranha situação, a namorada de Smaluco rebentou de riso, para
desespero do seu amado, que não sabia como se defender quando fosse chamado a
prestar declarações. E esse momento tardava, o que era ainda mais
angustiante. Será que os leitores conseguem explicar o que se passou? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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