Publicação: “Público” Data: 7 de Junho de 2015 Campeonato Nacional 2015 Taça de Portugal 2015 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2015 PROVA Nº 5 (PARTE I) A CONFRARIA DOS GÉMEOS Autor: Zé Coxo Os irmãos Costa
Pereira são três dos mais influentes membros da Confraria dos Gémeos,
agremiação a cujos destinos presidem vai já para três anos na qualidade de
diretores únicos. Iguais como gotas de água, eles apenas se distinguem por
pequenos traços particulares. Jorge é neste momento facilmente reconhecido
pelo seu forte coxear, resultado de um muito recente acidente de caça que
causou grandes estragos na sua perna direita. José é desde quase sempre
identificado pela sua acentuada gaguez, fruto de um tremendo susto sofrido
quando criança. E Jacinto apresenta como traço distintivo uma indisfarçável
cicatriz junto do sobrolho esquerdo provocada por uma infeliz brincadeira dos
seus tempos de adolescente, no recreio da escola. É dia de comemoração de
mais um aniversário da Confraria dos Gémeos e o detetive Fagundes dirigiu-se
de urgência para o local, por solicitação de um antigo colega da Polícia
Judiciária que ocupa agora lugar destaque nesta organização. Um dos irmãos
Costa Pereira fora avistado numa cidade do sul do país, a cerca de 400
quilómetros de distância, a cometer um hediondo crime. O que, aliás, não
surpreendeu ninguém na Polícia Judiciária, uma vez que há muito se suspeitava
que os três irmãos estavam associados a uma perigosa rede de delinquentes que
tem vindo a cometer diversas atrocidades criminosas de norte a sul de
Portugal, espalhando o terror por onde passam e deixando marcas profundamente
traumáticas entre as suas vítimas.
Fagundes deambulava pelo salão de festas da Confraria dos Gémeos quando
um dos irmãos Costa Pereira chegou. Sempre agarrado a uma elegante bengala, o
gémeo foi estendendo a sua mão direita a alguns dos presentes enquanto
caminhava com aparente dificuldade rumo à sala de reuniões, onde os elementos
da direção da Confraria decidiriam a atribuição do Prémio ‘O Gémeo do Ano’.
Havia em cada rosto dos presentes sinais de alguma ansiedade e expectativa,
se bem que se murmurasse entre dentes que aquela distinção já estava há muito
destinada a um dos diretores. Mesmo assim, notava-se uma réstia de esperança
nos olhares de muitos dos gémeos de que aquele galardão viesse a distinguir
outro dos confrades e não os do costume… Pouco tempo volvido surgia
no palco um dos gémeos Costa Pereira, apresentado como presidente da direção
da Confraria, para anunciar o veredito. A luz dos projetores fez sobressair
uma pequena cicatriz que, segundo algumas das senhoras presentes, lhe dava um
certo encanto. «E o vencedor é…». O resultado já era o esperado por quase
todos. A direção da Confraria distinguiu, pelo terceiro ano consecutivo, um
dos gémeos Costa Pereira. O seu discurso de vitória foi divertidíssimo,
arrancando grandes gargalhadas. O laureado subiu rápido ao palco, mas levou
bem perto de dois minutos para dizer simplesmente: «Oooo.briiiii.bri.bri.briii.ga.ga.gaaaa.do.do.doooo!». Fagundes está intrigado. A
testemunha que denunciara um dos gémeos como autor de um crime cometido há
pouco mais de meia hora era absolutamente credível e ela garantia ter visto o
gémeo coxo matar um abastado industrial a 400 quilómetros dali. «Mas como é
isso possível?» – interroga-se o detective. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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