Publicação: “Público” Data: 8 de Novembro de 2015 Campeonato Nacional 2015 Taça de Portugal 2015 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2015 PROVA Nº 10 (PARTE II) O CASO DE JOSITA CORLI Autor: Medvet Numa manhã de segunda-feira, 8 de Julho, o leiteiro
que chegara ao nº 99 da Rua dos Plátanos ficou surpreendido por notar a luz
acesa, apesar de já serem sete horas e o sol ir alto. Talvez fosse apenas a
curiosidade que o fez espreitar pela janela, atravessando um canteiro de
flores recentemente cavado, mas mais tarde disse ter sentido um estranho
pressentimento. O leiteiro espreitou através de um pequeno espaço deixado
entre as cortinas corridas. Ao princípio mal distinguiu um vulto de mulher
esparramado numa cadeira, mas depois conseguiu ver a sua face - uma máscara
de sangue. Por um momento o leiteiro ficou paralisado, mas
depois, com um grito abafado de terror correu rua abaixo, onde felizmente
tropeçou com um polícia que fazia a sua ronda, a quem contou a macabra
descoberta. Voltaram os dois para o 99 e tentaram entrar pela
porta da frente, que estava fechada à chave. Entretanto o leiteiro explicava
ao polícia quem eram os habitantes da casa. Tratava-se de uma mãe com duas
filhas, estrangeiras, apesar de falarem muito bem o português. O leiteiro
sabia que a mãe e uma das filhas estiveram fora durante o fim-de-semana,
porque na sexta-feira anterior lhe pediram para deixar apenas meio litro de
leite no sábado e no domingo em vez do habitual litro e meio, uma vez que a
Senhora Corli e a sua filha Dolores estariam fora
até segunda-feira. Uma vez que a porta da frente estava fechada,
tentaram a das traseiras, que também estava fechada. O polícia decidiu entrar
por uma janela entreaberta na cave. A figura na sala da frente era de facto a
filha, Josita. Tinha um revólver na mão direita e o
cano descansava contra o que fora a mandíbula; de facto, praticamente toda a
metade inferior da cara fora atingida pela descarga e não era um espectáculo agradável. O polícia não perdeu tempo a notificar a esquadra e
em breve o Inspector Fagundes apareceu no local. A
opinião geral era a de que se tratava de suicídio, mas Fagundes encontrou pequenos pormenores que lhe pareceu prudente esclarecer. A Senhora Corli e a sua
filha Dolores chegaram por volta do meio-dia e ficaram horrorizadas com a
notícia. Quando acalmaram o suficiente, Fagundes inquiriu se haveria algum
motivo para Josita se matar. Não havia nenhum, que
elas soubessem; era uma rapariga de temperamento variável e por vezes
instável, mas nos últimos tempos parecia ter assentado, graças a um rapaz com
quem parecia ter uma relação amorosa muito intensa, chamado Ramon Perita. Sob pressão, no entanto, Dolores admitiu que Josita em mais de uma ocasião, durante um dos seus
acessos de fúria, havia ameaçado matar-se, mas ninguém dera muita atenção ao
assunto. A mãe atribuíra isso a uma manifestação de mau génio que não durava
mais de cinco minutos. Na verdade Josita sempre
acabava por ficar lavada em lágrimas e pedia desculpa por ser tão tortuosa. Quando Fagundes interrogou Ramon Perita, o namorado
da vítima, este pareceu assombrado quando lhe deram a notícia. Quando ele a
deixara na noite anterior, ela parecera-lhe bem, no seu habitual bom humor.
Não era verdade que Josita estava sempre a ter
ataques de fúria. Um pouco leviana, fazendo olhinhos de vez em quando a
outros homens, nada de importante. Isso já tinha acabado, Josita
tinha-lhe prometido deixar de olhar para outros homens. No sábado anterior tinham combinado ir ao cinema,
mas ela não aparecera. No domingo à noite fora a casa ver se tinha acontecido
alguma coisa e ela contara-lhe que não se sentira bem e tinha ido para a cama
cedo. Não lhe mandara recado porque não tinha modo de o fazer. Ela
parecera-lhe bem no domingo à noite e devia estar a sentir-se melhor. Tanto
quanto sabia, não havia nada de especial no seu espírito, nem podia imaginar
uma razão para ela se matar. Deixara-a por volta das dez e ela foi com ele
até à porta, combinando encontrar-se com ele na terça seguinte à noite. O homem estava mesmo transtornado, mas as suas
palavras soavam verdadeiras. Pesquisas na vizinhança confirmaram o seu
depoimento até certo ponto. Uma das vizinhas ouvira um som por volta das
onze, mas parecera-lhe o escape de um carro. Aos domingos à noite a Rua dos
Plátanos tinha muito movimento. De resto, nos últimos tempos tinha havido
vários assaltos nas vizinhanças e todos estavam um pouco em sobressalto - mas
não deu muita importância, até porque o som lhe parecera abafado e não ouvira
mais nada. Josita era muito apreciada na vizinhança, especialmente
pelos homens, porque era muito bonita e sabia-o. Usava a sua beleza para
estontear os homens; o seu único defeito era apreciá-los demais. Ainda no
sábado anterior a vizinha a vira de braço dado com um jovem. A senhora estava
à entrada da casa, a tomar o fresco antes de se deitar. Vira o par
aproximar-se, parar à porta da rapariga e ouvira-a despedir-se com um “Boa
noite, Francisco; ver-nos-emos em breve.” A vizinha estranhou, pois era suposto Josita andar com um tal senhor Perita; pensava que o seu
nome era Ramon, já a ouvira tratá-lo por Ray. Segundo o relatório da autópsia, a moça estaria
morta cerca de sete a oito horas antes da descoberta do corpo, ou seja, a
morte dera-se entre as onze e a meia-noite. Talvez mesmo às onze, se o ruído
ouvido pela vizinha fora um tiro. O homem visto no sábado com a vítima foi encontrado
sem dificuldade. A mãe da vítima lembrara-se de um tal Francisco Peres com
quem a filha andava antes de se decidir por Perita. As suas declarações eram
simples. Encontrara Josita por acaso nessa tarde e
ela dissera-lhe que ia ter com o namorado para irem ao cinema, mas após
alguma insistência ele convenceu-a a ir dar um passeio com ele em vez de se
encontrar com Perita. Passaram a maior parte do tempo num abrigo do parque.
Ela pareceu-lhe preocupada e mais tarde confidenciou-lhe a causa. Hesitava
entre ele e Perita. Ela gostava do namorado, mas ele podia ser fatigante por
vezes. Ela gostaria que ele de vez em quando mostrasse alguns ciúmes, mas
para além de se queixar quando ela falava de outros homens, ele não mostrava
nenhum sinal de emoção. Ela achava que ele gostaria mais dela se de vez em
quando se zangasse. Estava a pressioná-la para casarem em breve. Segundo
Peres, ela dissera que “se sentia tão mal com esta indecisão que por vezes
pensava em acabar com tudo”. Peres riu-se dela e conseguiu distraí-la dessa
ideia, mas agora achava que as palavras tinham um sentido mais sinistro do
que julgara. O revólver era de um tipo vulgar do exército,
havendo muitas maneiras de a rapariga o ter arranjado. Nem havia maneira de
traçar a sua origem com alguma certeza. Nem a mãe nem a irmã sabiam que Josita tinha uma arma - mas isso nada provava. Dêem uma ajudinha ao Inspector
antes que fique completamente “passado”… 1 – Foi Ramon
Perita 2 – Foram a mãe e
a irmã 3– Foi Francisco
Peres 4 – Foi suicídio |
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©
DANIEL FALCÃO |
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