Publicação: “Público” Data: 20 de Setembro de 2015 Campeonato Nacional 2015 Taça de Portugal 2015 Provas
|
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2015 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 7 (PARTE I) SANGRIA DESATADA Autor: Búfalos
Associados Primeira questão: terá
sido suicídio ou crime? E neste caso, quem pode ter sido o assassino? Na
verdade todos os que rodeavam o Bairrada podiam ter motivos para o matar. Comecemos pelo pessoal da casa.
O Palmela, a Ermelinda e o Borba apresentaram alibis credíveis para o período
entre o fim do jantar de sábado e as sete e meia da manhã de domingo e estão
portanto ilibados. O Alvarinho apresentou o testemunho de uma senhora casada
e de posição que, depois de muitas hesitações, declarou ter estado com ele
até às seis horas da manhã. A ser verdade, também não podemos incriminá-lo de
autor da morte do pai, a qual, segundo a polícia, ter-se-á verificado antes
daquela hora. E note-se que, uma senhora que mostrou relutância em assumir um
comportamento menos correcto, não deve ter mentido
pois comprometeria deveras e em vão a sua reputação. É de crer que só o
afirmaria sendo verdade. O Bairrada, perturbado e
desiludido da vida, ameaçava há uns tempos suicidar-se. Foi o que terá feito
naquela noite em que sabia estar sozinho em casa. Pela madrugada, terá aberto
as torneiras da água quente, meteu-se na banheira e cortou as artérias ulnar
com um "x-acto" de forma a perder sangue
até à morte por esvaimento. A perda de consciência e a morte terão feito
submergir a cabeça. Foi assim que o mordomo o encontrou, o que aparentemente
poderia indicar ter sido afogado por alguém que lhe tivesse empurrado a
cabeça para debaixo de água. Mas a própria polícia veio a eliminar essa
hipótese ao determinar a causa da morte: perda de sangue e não afogamento.
Sinal de que nos pulmões não foram encontrados vestígios de água. Suicídio,
portanto, pois já estaria morto quando a cabeça mergulhou. Vejamos agora o que terá
acontecido ao recheio do cofre. Comecemos por pontuar a mensagem deixada pelo
Bairrada: "Deixo esta vida e
não levo saudades vossas. Quem for esperto encontrará no cofre tudo o que
tenho. A chave está lá. O segredo é: à esquerda o de cima para cima e em baixo sobe um; depois em cima desce um e os quatro de baixo sobem; depois em cima desce um e em baixo só sobem dois; depois só em baixo sobem quatro, em cima nada desce." O inspector,
recordando-se da influência do Japão e dos seus costumes naquela família, não
teve dificuldade em reconhecer o registo de quatro dígitos tal como seriam
marcados num ábaco, instrumento usado sobretudo no Oriente (Japão, China, ou
Coreia, por exemplo) para executar operações aritméticas de adição,
subtração, multiplicação e divisão. O cofre aberto mostrava ainda marcado o
segredo, que conferia com a mensagem encontrada: 1974. Afinal tinha razão
quem sugerira uma data importante para o Bairrada. Expliquemos melhor: O
ábaco (no Japão, Soroban) é um instrumento
utilizado como máquina de calcular, constituído por um quadro, normalmente de
madeira, chamado"waqu" dentro do qual há
várias pequenas barras verticais ("keta")
nas quais deslizam pequenas bolas que têm valores definidos. Uma barra
horizontal ("hari") divide as bolas
superiores (apenas uma em cada keta e com o valor
de 5 unidades) das bolas inferiores (quatro em cada keta
e com o valor de 1 unidade cada). Assim, em cada barra (keta),
somando os valores das bolas, podemos encontrar um
total máximo de 9 unidades. O registo de um valor faz-se encostando as bolas
à barra horizontal, ou seja, as de cima descendo e as de baixo subindo.
Aplicando ao nosso problema e à mensagem do Bairrada, temos: À esquerda sobe só uma
bola das de baixo: 1 Depois desce uma bola de
cima (5) e sobem quatro de baixo, total: 5 + 4 = 9 Depois desce uma bola de
cima (5) e sobem duas de baixo, total: 5 + 2 = 7 Depois sobem apenas as
quatro bolas de baixo, total: 4 Só o Alvarinho, por ter
feito os seus estudos no Japão, onde ainda hoje se usa o Soroban
em substituição das calculadoras, estaria em princípio habilitado a
facilmente decifrar o enigma e abrir o cofre. Note-se que o filho teve
muito tempo para esvaziar o cofre, antes do regresso do mordomo às sete e
meia. Terá chegado muito antes das sete, abriu com a sua chave, deu com o espectáculo da água em cascata, subiu as escadas, viu o
pai que já estava morto e no quarto ao lado encontrou a mensagem. Resolveu
então aproveitar o ensejo, meter num saco o recheio do cofre e debandar
deixando a porta da rua no trinco e as pegadas na saída. Esqueceu-se foi de
destruir a mensagem que o "acusaria" do roubo. Ou talvez tivesse
pensado que assim não ficariam dúvidas sobre o suicídio. Mas sobre o roubo
também não ficaram. Resta referir que afinal o Bairrada não tinha chegado a
fazer qualquer testamento, para mal dos bombeiros. E do Alvarinho, que não
deixou de ser acusado de roubo pelo Ministério Público. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
©
DANIEL FALCÃO |
|