Publicação: “Público” Data: 17 de Junho de 2018 Campeonato Nacional 2018 Taça de Portugal 2018 Provas
|
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2018 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 4 (PARTE I) O PRECIOSO CAMAFEU NAPOLITANO Autor: Verbatim Há duas
pessoas que mostraram poder saber mais do que deviam. Carla
Gomes, que só trabalhou em casa dos Freitas no dia da festa: – Associou,
de imediato, a designação de Amor Eterno a uma peça da colecção
de camafeus, pois foi “logo direita à vitrina”. Em contraste, Cátia Silva, a
trabalhar ali há três anos, nem chegou a perceber, ao princípio, o que se
passara. –
Declarou que nem quisera acreditar que alguém tivesse “roubado” o Amor
Eterno, isto quando o Conselheiro falara apenas de algo fora do seu sítio. – Disse,
ainda, que o Amor Eterno “era uma pregadeira bem linda, com um fecho de
ouro”, mostrando ter um conhecimento particularizado da beleza e do modo como
a peça estava montada. Por
outro lado, Gonçalo Garcia: –
Aproveitou para sugerir que o cachecol dobrado de Adérito Mendes poderia ter
servido para este “esconder algum objecto, como uma
jóia ou coisa parecida”. Não sabendo, em princípio,
o que fora roubado, foi logo lembrar-se de uma peça semelhante à
desaparecida… – Com a
sugestão anterior, Gonçalo Garcia não se importou de lançar reais suspeitas
sobre Adérito Mendes, embora embrulhadas em elogios sobre a probidade deste
último. Considerando
estes cinco indícios e sabendo-se que Carla foi recomendada por Balbina
Garcia e entregou a esta um saco com a taça onde viera o pudim e tendo em
conta a referência dos Garcia ao Amor Eterno, como acabado de contemplar,
quando já estavam de saída, é legítimo colocar a hipótese de o casal Garcia e
Carla Gomes se terem conluiado para, de modo premeditado, praticarem o roubo
tal como se indica a seguir. Os
Garcia, querendo apoderar-se do valioso camafeu Amor Eterno, que eles sabiam
encontrar-se mal defendido no interior da casa dos Freitas, planearam uma
operação de roubo, que lhes permitisse ficar a salvo, mesmo que algo corresse
mal. Recrutaram Carla
Gomes para o trabalho mais exposto, explicando-lhe muito bem o que deveria
fazer e recomendaram-na para ajudar na festa. Na altura considerada adequada,
pelo que conheciam da casa e das festas dos Freitas, dariam sinal a Carla
para retirar o camafeu desejado, a fim de ela o esconder, depois, na taça
onde viera o pudim trazido por Balbina Garcia. Uma vez surripiada a peça, os
dois membros do casal Garcia, deixando-se ficar para o fim, representariam a
rábula de uma olhadela para a vitrina com o intuito de darem a entender que o
Amor Eterno lá estava. Ficariam assim ilibados de o fazer desaparecer. Esperariam
que Carla lhes entregasse o Amor Eterno com a taça do pudim, na altura das
despedidas. Quando se desse pela falta, no dia seguinte ou depois, a Cátia
que aguentasse… Esta
hipótese não é contrariada por qualquer dos factos conhecidos nem pelas declarações
das pessoas ouvidas e elucida essas declarações. Mas
devemos conferir a plausibilidade de outras hipóteses. A
simulação de um roubo por parte dos Freitas não faz sentido porque eles, se
assim fosse, não teriam deixado as coisas chegarem ao ponto de apenas poderem
assacar a autoria do roubo a uma ou outra das empregadas (pois, nesse caso, o
Amor Eterno teria sido visto, no fim, pelo casal Garcia) nem depois as
ilibariam com uma revista. Podemos
admitir que alguém escondeu o camafeu no cachecol de Adérito Mendes. Nesta
suposição, a peça teria sido subtraída depois do casal Garcia ter abandonado
o escritório, naqueles dois ou três minutos que mediaram entre essa saída e a
entrada da dona da casa para vir colher o cachecol. Não parece provável o
aproveitamento de tão estreita e perigosa janela de oportunidade. Por outro
lado, quem tivesse feito isso não teria deixado o cachecol abandonado para
este poder ser colhido, como aconteceu, por uma pessoa estranha ao roubo. Podemos
ainda imaginar que Cátia Silva retirou o Amor Eterno na estreita janela
temporal atrás referida e que o escondeu na própria casa dos patrões para,
daí a poucos dias, o recolher e fugir. Este modo de agir não se coadunaria
com uma pessoa que dispunha de cinco meios-dias por semana naquela casa e,
sobretudo, deixaria sem boa interpretação uma parte das declarações
produzidas. Finalmente,
podemos supor que Carla praticou o roubo sozinha. Nesse caso, teríamos
igualmente uma estreita janela de oportunidade para o roubo, não se
compreenderiam as declarações de Gonçalo Garcia nem se saberia como ela teria
feito sair o camafeu do apartamento. Existe,
portanto, uma hipótese dominante, aquela que envolve o casal Garcia e Carla
Gomes. O plano dos Garcia falhou em dois aspectos:
o Conselheiro deu pelo desaparecimento do camafeu no próprio dia e dois dos
autores do roubo não conseguiram exibir um absoluto desconhecimento do acto praticado. Deste jeito, o engenhoso álibi que seria
proporcionado pelo pretenso visionamento do Amor Eterno na vitrina, imediatamente
antes de as visitas saírem, acabou por ter efeitos contraproducentes. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
©
DANIEL FALCÃO |
|