Publicação: “Público” Data: 7 de Outubro de 2018 Campeonato Nacional 2018 Taça de Portugal 2018 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2018 PROVA Nº 9 (PARTE I) UMA NOITE DE NATAL EM SOLAR MINHOTO Autor: Emil Aquela
família era muito antiga, havia relatos e histórias que passavam de boca em
boca, sobre coisas que se passaram naquela propriedade verdejante e de que o
solar brasonado foi testemunha. Hoje,
passados séculos sobre o primeiro ocupante, as tradições ainda eram as mesmas
e havia um esforço para que qualquer dos ancestrais se sentisse em casa, se
por qualquer acaso pudesse regressar. Era
Natal e no solar vivia-se a azáfama do costume, num corrupio de empregados a
percorrerem a cozinha e áreas adjacentes, tratando alimentos e preparando o
repasto que tradicionalmente era servido nessa noite mágica. Por todo o lado
sentiam-se os odores próprios do banquete que se aproximava em passos largos,
com natural destaque para o do bacalhau cozido, esse rei por uma noite. A D.
Mafalda, a actual senhora da casa, supervisionava
todos os detalhes para que a festa fosse aquilo que sempre fora ao longo dos
séculos, desde a forma como se confeccionavam os
alimentos e iguarias, até aos apetrechos e até a electricidade
era desligada, dando lugar aos archotes e à fogueira que ardia
incessantemente no centro da sala, numa lareira gigante. Longe ia
o jantar, que naquela casa era servido pontualmente às 12.30 horas e a
merenda que aconchegava os estômagos até à ceia, essa sim, a verdadeira
estrela de um dia especial, por que crianças e adultos esperavam durante todo
um ano. Algumas
“novidades” em relação à tradição mais radical, eram
afastadas da sala, ocupando outros compartimentos, não faltando mesmo uma
televisão ou um enorme pinheiro de Natal, se bem que este fosse decorado à
antiga, com bolas coloridas de vidro e pequenas molas que se prendiam aos
ramos e ostentavam velas de várias cores, que eram acesas alguns momentos
antes da meia-noite. Mas essa tradição não era completamente nossa, fora
herdada de locais nórdicos e, apesar de ter sido adoptada
pelas nossas gentes, aqui eram relegadas para outros espaços. –
Senhora Dona Mafalda, os meus parabéns pela manutenção de toda a nossa
tradição mais arreigada e por este repasto maravilhoso. – agradeceu
o Dr. Fonseca, um historiador famoso, amigo da família e convidado neste ano
– é com exemplos destes que conseguimos manter uma identidade nossa. Muito
obrigado por me permitir regressar aos meus tempos de infância. – Senhor
doutor, é muita amabilidade sua. Esforço-me por
manter bem viva a herança que transporto de toda a minha Família que nestas
terras sempre habitou e respeitou as tradições. Tenho procurado nas minhas
memórias de infância o que a minha avó me transmitiu e aconselho-me com
muitos anciãos destas terras e desejo não ter defraudado a tradição, mas o
senhor doutor, como renomado historiador, certamente melhor poderá avaliar o
esforço. – Minha
senhora, a sua acção foi valorosa e importante e
apenas consegui encontrar uma coisa nesta sala, que não corresponderá
integralmente ao que os nossos ancestrais praticavam naqueles tempos, nesta
época natalícia… As tradições vão mudando, como sabemos e muitas delas acabam
por ser assumidas como sendo muito mais antigas do que são na realidade.
Muitas coisas com apenas meia dúzia de décadas são tratadas como herança
cultural quando são praticadas com regularidade em certas épocas do ano e nos
acompanham ao longo do nosso crescimento. É um fenómeno natural e normal. – Senhor
doutor, obrigada pela sua franqueza, creia que foi completamente involuntário
qualquer erro cometido. Peço-lhe que o revele, para não mais ocorrer nesta
casa! É isso que
se pretende. Que nos digam qual terá sido o erro cometido naquela sala e
justifiquem devidamente a resposta. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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