Publicação: “Público”

Data: 19 de Novembro de 2018

 

 

Campeonato Nacional 2018

Taça de Portugal 2018

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2018

 

PROVA Nº 10 (PARTE I)

 

MEMÓRIAS DO INSPECTOR AMBRÓSIO

Autor: Nordi

 

Uma das figuras mais emblemáticas da polícia, em todas as eras, que ainda hoje municia as grandes histórias da corporação, chamava-se Ambrósio e nada tinha a ver com o célebre motorista que adoçava a boca à madame. Este era ridiculamente minúsculo, enfadonho, sem qualquer rasgo de sabedoria ou de fanfarronice. Era um verdadeiro “cromo”, que certamente passaria despercebido, não fosse a intervenção, em contraponto, do agente Lima, um tipo engraçado, sempre com uma boa tirada a cortar os momentos mais tensos.

O Ambrósio, apesar de tudo, foi um grande “malandro” na sua juventude, nada parecido com o que se tornou. Contava as suas aventuras, provavelmente com algumas “inovações” e uma das mais paradigmáticas foi quando terminou a sua formação na polícia e resolveu ir dar uma volta até Estocolmo, ao volante do seu carro, Europa acima!

O carro era um velhinho Taunus, pesadão, com mudanças no volante e ainda havia a gasolina normal e super. Como não havia informação, foi metendo a que estava mais à mão e daí não veio mal ao mundo, porque acabou por chegar ao seu destino, depois de passar por Amesterdão e assistir à final dos campeões europeus que o Benfica, o seu Benfica conquistou e cujo bilhete exibia com um orgulho do tamanho do mundo.

Contou que ao chegar a Estocolmo, com o passaporte bem carimbado, estranhou quase tudo, desde o clima até ao feitio das pessoas. Como o trânsito era infernal em ambos os sentidos da rua em que tinha alojamento e o estacionamento extremamente complicado, resolveu ir para um parque público assinalado, que ficava nas traseiras dos prédios e, sempre de forma cautelosa, percorreu os 50 metros que o separavam de um portão onde apenas passava uma viatura de cada vez, virando então à direita até aproximar a frente à barreira amovível. Baixou o vidro, rodando a manivela, mas em vez de ficar frente a frente com o porteiro – cobrador, apenas viu uma parede compacta, branca.

– Raios, pensou, já fiz asneira e da grossa! Este portão é para saída!

Furiosamente, meteu a marcha atrás e começou a recuar, porque os suecos eram uns cumpridores militantes das regras e quase de certeza que ia saltar uma multa bem durinha e dolorosa. Tudo o que conseguiu foi ficar com a traseira do carro a escassos centímetros de uma viatura da polícia que estava a circular e ficou-lhe na retina a cara carrancuda do agente ao sair do carro, como que a antecipar o banquete de multas que se avizinhava.

Por gestos, sinais e alguns sons aparentados com a língua inglesa, procurava explicar que era português, se tinha equivocado e não tivera qualquer intenção de causar problemas. Logo reparou que o guarda do parque se aproximava, também ele com ar de poucos amigos, a exigir que desobstruísse o portão.

– De certeza que te multaram por entrares ao contrário! E foi muito bem feito! – gozavam os colegas, fartos de ouvirem a história.

– Não, para alguma coisa serviu o crachá! Assim que o agente viu que eu era polícia em Portugal, mudou logo a carranca e mandou o guarda do parque lá para dentro!

– Não acreditem! – “picava” o Lima. Um polícia sueco jamais deixaria de multar! Eles nem perdoam à família, quanto mais a um colega! Houve multa, claro! Houve, ou não houve?

O Ambrósio assentiu com a cabeça:

– É verdade, houve multa por manobra perigosa, mas ficou suspensa de bom comportamento até abandonar o país. Acabei por ganhar um amigo, ele arranjou-me um lugar para estacionar no parque da polícia, mostrou-me a cidade e foi um camarada. Nunca mais o vi, mas às vezes mando-lhe uma mensagem e vamos comunicando.

– Que história mais estapafúrdia! – comentou o Lima. Se eu não conhecesse bem o Ambrósio, diria que era um mentiroso, mas como conheço e já ouvi esta história milhares de vezes…

E você, caro leitor, acredita? Ou há mais coisas que o Inspector Ambrósio não contou? Justifique as suas conclusões.

 

© DANIEL FALCÃO