Publicação: “Público” Data: 16 de Setembro de 2018 Campeonato Nacional 2018 Taça de Portugal 2018 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2018 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 7 (PARTE I) CRIME IMPOSSÍVEL Autor: Rigor Mortis O inspector João Velhote já tinha de facto uma ideia
bastante pormenorizada do que acontecera na véspera, precisamente por causa
das contradições entre os factos apurados: – Tiro
ouvido às 20h, numa altura em que apenas o António poderia estar ao pé do
José Rodrigues… – Hora
da morte, segundo a estimativa do médico-legista, entre as 14 e as 18h,
período em que os 5 habitantes da casa estavam manifestamente juntos,
conversando no jardim da casa senhorial… –
Pistola com sinais de ter disparado recentemente, mas guardada na sua caixa…
Silenciador, no entanto, cuidadosamente limpo… “Estes
ambientes rurais…”, pensou João Velhote. “Filho
ilegítimo catrapiscando a meia-irmã, sem disso saber… Um empregado apaixonado
pela patroa… Patroa não correspondendo a esse amor, mas mantendo o empregado…
Um noivo a andar atrás de garotas, mas ameaçando o homem que lhe disputava a
noiva… Pistolas do tempo da guerra colonial usadas em tiro ao alvo…” Dos dois
suspeitos que tinha – o Rafael e o António – apenas um reunia as condições
necessárias para ter cometido o crime, o Rafael. Se o
António o tivesse feito, porquê revelar tão abertamente que tinha ido visitar
a vítima, e porquê contribuir para “definir” o momento da morte, às 20h? E se
a morte ocorrera de facto a essa hora, ter-se-ia o médico-legista enganado
grosseiramente, ao estimar a hora da morte entre as 14 e as 18h? O António
não devia saber onde estava guardada a caixa da pistola que era do marido da
D. Amélia, mas mesmo que o soubesse, porquê recolocá-la no sítio onde era
normalmente guardada? Porquê não usar o silenciador? Porquê não limpar todos
os sinais de que a arma tinha sido usada? E decerto que não conhecia a
verdadeira paternidade do José Rodrigues, ou teria usado esse argumento para
o afastar da Rebeca. Mas se o
assassino tivesse sido o Rafael, que mostrava ser um homem inteligente e
sensível, apesar da sua baixa posição na hierarquia daquela casa senhorial,
as peças do puzzle podiam encaixar-se perfeitamente, com a imaginação
adequada… Rafael
sabia dos “avanços” do José em relação à sua meia-irmã, reprovando-os por
razões óbvias. Mas também não gostava especialmente do António, e sabia que
D. Amélia partilhava dessa desconfiança. No seu entender, Rebeca merecia algo
melhor… A lealdade para a família e o amor que tinha pela D. Amélia tê-lo-ão
levado a conceber um plano para eliminar o José, incriminando o António. De
uma cacetada, dois coelhos… Aproveitando
a ausência do António, quando foi buscar o café minutos antes das 20h, pôs as
luvas de cozinha e saiu rapidamente pela porta de trás, levando a pistola
consigo. À entrada do bosque disparou um tiro para o ar e voltou rapidamente
para servir o café – no total não terá levado mais do que dois ou três
minutos. Quando todos se tinham deitado, pegou novamente na pistola com as
luvas de cozinha, pôs-lhe o silenciador e foi a casa do José Rodrigues,
matando-o com um tiro na cabeça. Fazendo uso da sua força física trouxe o
corpo consigo até à casa senhorial, depositando-o na casota de sauna. Depois
limpou cuidadosamente o silenciador, mas não a pistola, e arrumou tudo na
caixa, que guardou no lugar habitual. Algumas horas depois, talvez pelas 5h
da manhã, pegou novamente no corpo e levou-o até ao ribeiro, onde o depositou
meio dentro de água, procurando deixá-lo na mesma posição em que o tinha
colocado na casota de sauna. As seis
ou sete horas que o cadáver esteve na casota de sauna, a uma temperatura bem
mais alta do que a do corpo humano, atrasaram substancialmente a descida de
temperatura do corpo mas aceleraram o estabelecimento da rigidez cadavérica.
Ao colocá-lo no ribeiro, de água bem fria, ocorreu o oposto – aceleração da
descida da temperatura do cadáver e abrandamento do desaparecimento da
rigidez cadavérica. Com alguma sorte, a hora da morte acabaria por ser estimada
à volta das 20h… Mas mesmo que assim não fosse, as acções
opostas a que o cadáver tinha sido submetido baralhariam os dados,
tornando-os menos precisos e fiáveis. Um ano de estudos de medicina terão
sido bem úteis… Para
consolidar as suas ideias, o inspector João Velhote
iria: – Fazer
um teste de balística, para se certificar de que a velha pistola tinha de
facto sido utilizada para matar o José Rodrigues. –
Proceder à análise de impressões digitais na pistola, onde esperava encontrar
as do António e as do Rafael, aí colocadas na sessão de tiro ao alvo alguns
dias antes, mas também algumas manchas provenientes do seu manuseamento pelo
Rafael com as luvas de cozinha. – Mandar
analisar cuidadosamente a casota de sauna, onde esperava encontrar vestígios
da presença do cadáver na noite anterior. – Da
mesma forma, iria mandar analisar as roupas do Rafael, procurando vestígios
idênticos. Se tudo
corresse como esperava, o inspector poderia fechar
o dossier em poucos dias, resolvendo mais um
complexo caso de homicídio… |
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©
DANIEL FALCÃO |
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