Publicação: “Público”

Data: 14 de Março de 2010

 

 

Campeonato Nacional 2010

Taça de Portugal 2010

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010

 

PROVA Nº 3 (PARTE II)

 

O CASO DO ESPELHO QUEBRADO

Autor: Inspector Boavida

 

Evaristo, o velho “baeta” da calçada de Santana, a quem chamam “o jornal de actualidades do Rossio”, é um tipo muito bem-disposto, mas hoje está desolado. Ele é um dos poucos comerciantes do bairro que preservam no seu estabelecimento o toque de outros tempos, constituindo-se ainda hoje uma peça fundamental do xadrez social daquele recanto de Lisboa. As paredes, de um cor-de-rosa que é mesmo velho, conservam a patine do passado. As cadeiras, de couro gasto e metal polido, conferem autenticidade ao local. Mas é o grande espelho exposto ao fundo do estabelecimento, por onde Evaristo vê a vida passar lá fora enquanto trabalha, que dá todo o carácter ao espaço. A vida deixou de reflectir no espelho. Alguém o quebrou. É esse o motivo da desolação do barbeiro.

Quando o Evaristo se aproximou da bancada de apoio onde tem os pertences pessoais e levantou o som do pequeno televisor, cujas imagens surdas são a sua companhia de todas as horas quando não tem clientes, para ver o Jornal da Tarde, uma pedra entrou pela barbearia adentro quebrando em vários pedaços o seu estimado espelho. Preso à maldita pedra, com um fio de embrulho, voou um pedaço de papel com uma inscrição em letras irregulares de escrita infantil: “ó Evaristu tómadiztu”. O barbeiro não tem dúvidas quanto à autoria daquela terrível infâmia. Os quatro miúdos da Palmira levaram toda a santa manhã a maçá-lo com o arremesso de pequenas coisas, botões, caricas, estalinhos, garrafinhas de mau cheiro, ao mesmo tempo que gritavam “ó Evaristo, toma lá disto”.

Informado desta ocorrência, o subchefe Pinguinhas mandou procurar os catraios e trazê-los à sua beira, para apurar quem tinha sido o responsável pelo arremesso da pedra. “Qual de vocês partiu o espelho do Evaristo?” – foi a pergunta que fez a todos eles, de chofre, assim sem mais. Manel, o mais velho, 13 anos acabadinhos de fazer, admitiu que ele e os irmãos tinham andado a atirar coisas para a barbearia, mas insistiu nada ter a ver com aquela história do espelho. Zeca, o mais traquina, pouco menos de doze anos, também disse nada saber do espelho, mas confessou ter chateado o velho “baeta” durante boa parte da manhã. Quico, o mais novato, quase a fazer sete anitos, jurou a pés juntos nada saber do espelho. Beto, nove anos bem medidos, afinou pelo mesmo diapasão dos irmãos.

Os miúdos estavam aterrados. Eles sabiam muito bem que aquilo de que eram suspeitos não seria suficiente para serem presos, caso viessem a ser acusados. Além disso, o subchefe Pinguinhas era uma boa alma, incapaz de fazer algo que os pudesse molestar a valer, ao contrário do Jaquim, o pai dos catraios, um homem de muitos músculos e poucos miolos, mas honrado como poucos, que era bem capaz de “premiar” os filhos com uma valente sova se viesse a tomar conhecimento daquela ocorrência. Percebendo a aflição dos rapazes, bem visível no mais velho, a tremer que nem varas verdes, agarrado aos irmãos como se quisesse protegê-los a todos num único abraço, Pinguinhas apenas ousou fazer mais uma pergunta: “Onde é que vocês andaram, desde manhã até agora?”

Manel respondeu que andou na rua até perto das 11 horas, seguindo depois para o Mercado onde a mãe trabalha. Zeca adiantou que não largou o irmão mais velho até agora. Quico contou que estivera quase toda a manhã na rua, mas que à hora em que partiram o espelho do Evaristo estava em casa a comer a sopa que a mãe deixara no frigorífico. Beto, por sua vez, disse não saber exactamente a que horas terá ido comer, sendo certo que, quando chegou a casa, já lá estava o Quico. De uma coisa ele está seguro: depois de deixarem de chatear o barbeiro, foi jogar à bola com a malta da Mouraria para o Castelo de São Jorge. O subchefe Pinguinhas sorriu. Neste momento, ele já sabia qual deles tinha sido o autor da pedrada que deu cabo do espelho do Evaristo. E você, meu caro “detective”, o que acha?

 

A – Foi o Manel

B – Foi o Zeca

C – Foi o Quico

D – Foi o Beto

 

© DANIEL FALCÃO