Publicação: “Público”

Data: 5 de Setembro de 2010

 

 

Campeonato Nacional 2010

Taça de Portugal 2010

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010

 

PROVA Nº 9 (PARTE I)

 

A MORTE DO VETERANO

Autor: Rip Kirby

 

Nos anos 60 do séc. XX, no início da guerra em Angola, eram muitas as estações de rádio da colónia a transmitirem discos a pedido, dedicados aos militares estacionados na província. Os temas pedidos eram muitos, mas alguns, antecedidos por longas listas de nomes, repetiam-se ao longo do dia. Entre eles destacavam-se, O Imigrante pelo conjunto Maria Albertina, o Fado das Trincheiras pelo Miúdo da Bica e O Tango dos Barbudos, por uma banda cujo nome esqueci. Muitos ouvintes desses programas, após terminada a sua comissão continuaram tendo predilecção por estes temas.

Almerindo Cabral, passados mais de 40 anos, ainda os continua a ouvir diariamente. Nascido numa vila da Beira onde reside, tem 69 anos, mas o aspecto é de mais velho. Em finais de 1961 embarcou para Angola onde a guerra rebentara no início desse ano. Dois anos depois voltou. Ignoramos por que vicissitudes passou mas, para além da perda total dos dedos da mão direita devido a um acidente, vinha bastante abalado.

Andou em tratamento, melhorou e imigrou para o Brasil de onde um tio abastado o chamou. Esse tio faleceu anos mais tarde e, não tendo herdeiros mais próximos, deixou-lhe todos os bens. É assim que Almerindo se viu na posse de avultada fortuna. Contudo, continuou a trabalhar até que, solteiro, sem família perto, bastante alquebrado apesar da idade não ser muita, regressou a Portugal. E assim, numa tarde ensolarada de 1995, desce do comboio na sua terra natal.

Construiu uma luxuosa casa e convidou, para morarem com ele, dois irmãos e três sobrinhos. Os irmãos eram o Adelino e Antero Cabral.
Adelino, dois anos mais velho que Almerindo, passava a vida a queixar-se da sua sorte. Achava que, por ser mais velho, deveria ter sido o herdeiro do tio. Poucos meses depois de casado, a mulher sumiu sem deixar rasto. Antero o mais novo dos irmãos, estudara no seminário. Metido consigo, passava os dias a ler e escrever.

Os sobrinhos: António Cabral, 30 anos, filho de Adelino, era engenheiro, mas explorar o tio dava menos canseira; Alberto Pereira, 29 anos, filho de uma irmã, já falecida; formou-se em medicina e trabalhava num hospital em Lisboa; Isabel Cabral, 26 anos, filha de Antero, era formada em economia e trabalhava num banco no Porto.

Todos tinham aposentos em casa do tio, mas Alberto e Isabel tinham as suas residências nas cidades onde trabalhavam. Os dois visitavam o tio com frequência. António raramente lá ia e quando aparecia era para cravar o tio.

Nascido num dia de São Martinho Almerindo não gostava das festas tradicionais, mas gostava de festejar o seu aniversário. Nessa data ele queria a família reunida. A festa iniciava-se cedo com a matança de um borrego, que depois era assado no forno com muitas batatas, tarefa que desempenhava com a ajuda do irmão mais velho. O assado era da responsabilidade de Isabel, que chegava cerca das oito horas. Alberto chegava um pouco mais tarde. António só aparecia pelas 12 horas no início do almoço. Terminada a refeição, ficavam em volta da mesa conversando e pelas 17 horas vinham as castanhas assadas e as garrafas de água-pé.

Mas naquele dia 11 algo errado aconteceu e a comemoração do aniversário de Almerindo foi seriamente alterada. Até perto do meio-dia tudo correu como de costume. Na sala de jantar já todos, menos António e o pai, aguardavam a chegada do aniversariante que estava no quarto a preparar-se para presidir à mesa.

O relógio da sala de jantar marcava 11h40 quando no quarto de Almerindo se fez ouvir o Tango dos Barbudos e seguidamente o Fado das Trincheiras. Ouvia-se este tema havia uns três minutos quando entrou na sala de jantar, vindo da cozinha, António Cabral. Censurado por ter chegado atrasado, afirmou que o relógio da sala de jantar estava adiantado 15 minutos. Ninguém o contrariou e Alberto dirigiu-se ao relógio e atrasou-o 15 minutos. Adelino, que depois da matança do borrego não mais fora visto nessa manhã, entrou cerca de cinco minutos depois.

Terminado o Fado das Trincheiras, ao contrário do usual, em vez de se passar a ouvir o conjunto de Maria Albertina, Fernando Farinha continuou a cantar outros temas do mesmo disco até este ficar mudo.

Às 12h30, como Almerindo não chegava, Isabel decidiu ir ver o que se passava. Bateu à porta, não obteve resposta, bateu com mais força mas o resultado foi igual. Ganhou coragem, abriu-a um pouco e espreitou para dentro mas logo a empurrou com violência e entrou no quarto. Almerindo estava estendido no chão, com os braços abertos em cruz e com um ferimento de muito mau aspecto no temporal direito chamuscado e com resíduos de pólvora. Sobre a mão direita estava uma pistola.

Isabel saiu do quarto, fechou a porta à chave e correu para a sala de jantar onde comunicou o acontecido. De seguida foi à sala de entrada, de onde telefonou para a polícia. Entretanto, todos correram em direcção ao quarto de Almerindo; apenas António ficou para trás reunindo-se aos restantes pouco mais de dois minutos depois.

O relógio da sala de jantar marcava 13h15 conferido, à sua chegada, pelo inspector Eduardo Trindade, que logo se dirigiu para o quarto de Almerindo observando-o atentamente. No quarto não havia sinais de luta.

Das suas perguntas o inspector apurou que todos os familiares de Almerindo se encontravam reunidos na sala de jantar, de acordo com a hora marcada no relógio ali existente, desde as 11h30; as excepções foram António, que chegou segundo o testemunho dos seus familiares cerca das 11h35 entrando pela porta da cozinha, e o pai que, envergando traje de montar, chegou pouco depois pela mesma porta. António afirmou que não chegara mais cedo por ter estado na cavalariça examinando um cavalo comprado recentemente. O pai disse que a pedido do irmão tinha ido visitar uma propriedade um pouco distante.

Todos os empregados declararam não terem visto nem ouvido nada de estranho. Apenas o empregado da cavalariça referiu ter visto António dirigir-se para a casa um pouco antes de se começar a ouvir o Tango dos Barbudos e saindo, pouco depois de se iniciar o Fado das Trincheiras, pela porta principal e encaminhar-se para a porta da cozinha. Afirmou ainda que, após a matança do borrego, tinha aparelhado um cavalo para Adelino que saiu tendo voltado às 11h50. Este mesmo empregado afirmou que na véspera ouvira a vítima discutir com António e dizer-lhe que deixasse de contar com o dinheiro dele. O médico legista prognosticou a hora da morte que foi instantânea entre as 11h20 e as 12h45.

Será que com estes elementos os nossos amigos podem dar uma ajuda ao inspector?

 

© DANIEL FALCÃO