Publicação: “Público” Data: 11 de Abril de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
|
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 PROVA Nº 4 (PARTE II) O MEU PRIMEIRO CASO Autor: Paulo Recordo com alguma
nostalgia o tempo em que ainda não estava na Polícia Judiciária (PJ). Nessa
época pertencia à GNR e foi na qualidade de membro dessa corporação que me
desloquei a um local onde ocorrera um crime. Foi este caso que me motivou
mais tarde para entrar para a Judiciária. Um solar do séc.
XIX, restaurado, mas que mantinha intactas as grossas paredes de granito com
mais de meio metro de espessura e toda a estrutura arquitectónica, foi o
cenário deste crime. A vítima, Almerindo
Silveira, 67 anos, industrial, fora encontrada morta. Uma pancada na cabeça
dada com violência extrema matara-o. Fora encontrado sem vida no escritório.
O compartimento, parcamente mobilado, tinha uma janela em frente à porta. A
arma do crime fora um atiçador da lareira que ficava numa das paredes do
escritório. O corpo, com os braços ao longo do corpo, estava caído
paralelamente à parede próxima, com a cabeça coberta de sangue que fluíra por
um ferimento profundo. O alerta fora dado
por um vizinho que, tendo marcado uma reunião com a vítima pelas 15h30 com o
objectivo de combinarem um negócio e tendo-se deparado com a situação de
ninguém abrir a porta, resolveu espreitar pela janela, vendo o corpo
estendido no chão. Filinto Sousa, o
vizinho, era um homem baixo, com pouco mais de um metro e sessenta, com 35
anos. Perante a ausência de resposta aos toques da campainha, e sabendo que a
vítima não faltava aos compromissos, decidiu averiguar o que se passava. De
outras vezes que marcara encontros na casa de Almerindo, este nunca falhara. A vítima deixava
viúva Alzira Silveira, de 33 anos. Esta saíra de casa para ir ao
cabeleireiro, por volta das 14 horas. Quando lá chegou, constatou que se
enganara no dia da marcação, pelo que acabou por andar às voltas no Centro
Comercial até depois das 16 horas, altura em que recebeu o telefonema da
Cristiana a relatar-lhe o sucedido. Voltara então para casa. Cristiana era a
empregada que todas as tardes fazia a limpeza na casa da vítima. Costumava
chegar por volta das duas e meia, mas naquele dia, devido a um furo, chegara
já passava das 15h30. A estrada onde tivera o furo era pouco movimentada, e
nem o facto de ser mulher lhe valera a solidariedade de qualquer
automobilista. Tivera que desenvencilhar-se sozinha, mas lá conseguira, mesmo
tendo que desapertar a roda a pontapé. Vivia ainda na casa
um filho da vítima. Calisto tinha 33 anos e era filho do primeiro casamento
de Almerindo. A primeira mulher morrera, havia mais de 20 anos, vítima de
doença. Calisto nunca aprovara o recente casamento do pai com uma mulher tão
nova, tendo as relações entre os dois ficado em mau estado, com discussões
constantes e violentas agressões verbais. Sem ocupação certa, vivendo dos
rendimentos paternos, saíra logo a seguir a Alzira e fora dar um passeio de
carro. Um telefonema de Cristiana fizera-o regressar. Cheguei ao local do
crime ao mesmo tempo que Cristiana, pelo que foi ela que abriu a porta.
Possuía uma chave da casa para poder entrar quando os patrões não estavam. A
porta da rua estava só com o trinco e a porta do escritório estava apenas
encostada, pelo que não tive problemas em entrar. Em frente da porta,
situada ao centro da parede, ficava a secretária, mais atrás a cadeira e logo
atrás o corpo caído de Almerindo, com os olhos fixando a entrada, como se
esperassem um auxílio que não chegou. Aproximei-me do
corpo, afastei ligeiramente a cabeça do rodapé, e foi nesse momento que vi o
ferimento da região occipital. Espreitei pela janela, que estava a pouco mais
de um mero do chão, e vi que dava para as traseiras da casa. Um quintal
arborizado estendia-se até ao muro limite da propriedade. Enquanto aguardava
a chegada da PJ, fui espreitar o exterior da casa. Um canteiro de flores
rodeava todo o edifício, verificando-se na terra mole junto da janela do
escritório a existência de algumas pegadas, que mais tarde se confirmaram
pertencer a Filinto, e algumas flores partidas pelos pés de quem as pisara. A
janela, tal como as restantes, estava talvez a pouco mais de metro e meio de
altura. Não havia qualquer
sinal de arrombamento de portas ou janelas e aparentemente nada fora roubado. Quando a Judiciária
chegou, eu já falara com Alzira, Cristiana, Filinto e Calisto, e tinha uma
opinião formada sobre o assunto, mas guardei-a para mim. Recolheram
impressões digitais, tendo-se encontrado impressões de todos os quatro
intervenientes em vários objectos do escritório. Mais tarde veio o relatório
médico colocando a morte entre as 14 e as 15 horas. Uma detenção e
posterior julgamento com condenação veio confirmar a opinião que eu
construíra. A investigação não foi minha, mas o facto de eu ter conseguido
deslindar autonomamente o caso mudou a minha vida. Dos quatro
intervenientes no caso, qual terá sido detido? A – Filinto B – Alzira C – Cristiana D – Calisto |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
©
DANIEL FALCÃO |
|