Publicação: “Público” Data: 6 de Junho de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 PROVA Nº 6 (PARTE I) A MENSAGEM SECRETA Autor: Paulo Um mistério invade
o policiarismo português. Apesar das muitas centenas de concorrentes aos
problemas publicados, são pouco mais de uma dúzia os que vão escrevendo
regularmente textos com enigmas para decifração. Muitas razões
poderão ser encontradas para tão parco número de autores: falta de
inspiração, medo da crítica, preguiça, etc. Nenhuma delas é impossível de
ultrapassar. Resolver fazer um
problema requer uma ideia para a chave e a construção de uma história que
disfarce essa chave. Pode ser uma mentira, um pormenor impossível de
acontecer, um facto técnico, ou uma multiplicidade de pormenores passíveis de
serem encontrados nos muitos textos já publicados no nosso país. Várias são as
formas de iniciar um problema, mas a primeira palavra de cada parágrafo é a
mais importante. Ela pode estimular o leitor para a restante leitura ou
diminuir a sua concentração e fazer com que coloque o texto de lado. Por isso
há que ter atenção à sequência dessas palavras. Mas a primeira letra dessa
palavra é que dá o mote para todo o ritmo da frase. Essa é fundamental. Uma
vogal ou uma consoante têm efeitos distintos. Se a palavra se inicia com uma
consoante oclusiva o seu efeito é distinto de uma palavra iniciada por uma
consoante constritiva. Muitos autores
gostam de iniciar os seus problemas de forma sempre igual. Com um artigo, com
um substantivo ou mesmo com uma onomatopeia. Recordo um autor que iniciava os
seus problemas por Trim… trim… Formalizar um
problema coloca dificuldades aos autores em dois níveis: criar a chave e
escondê-la. Se o autor consegue criar uma chave original, nunca publicada,
normalmente inventou-a em determinado contexto e imediatamente fica com a
história completa. Quando tem que se inspirar em chaves já conhecidas, tem
que ter cuidado para não plagiar todo o texto original. Mas, para quem
nunca escreveu um problema policiário, pode parecer fácil que após se ler num
texto uma ideia para a chave se consiga criar uma história original. Não é! A
mente fica presa ao texto já conhecido, dificultando o acto criativo. Há que
colocar a imaginação a trabalhar. Distribuir a chave
ao longo do texto é um dos segredos dos autores. Se os pormenores da solução
se encontram demasiado concentrados torna-se fácil a decifração. O bom autor
consegue espalhar por todo o texto pequenas pistas, que só depois de ligadas
da forma conveniente fazem sentido e mostram o caminho da solução. Vários autores
consideram que o bom problema tem que assentar em quatro pilares
fundamentais: clareza do texto, apresentação de todas as pistas, uso de
técnica e ciência conhecidas e uma única solução. Esta perspectiva,
discutível, coloca a solução como parte do problema. Saber erigir esses
pilares em paralelo, simultaneamente, tijolo a tijolo, calmamente, de forma
coerente como qualquer escritor europeu ou americano que escreva um texto, é
a melhor forma de obter um bom resultado. Raras vezes essa
construção falha. Se a planificação é bem feita a obra sai perfeita. Oferecer um bom
cenário para o crime, determinar o número de personagens e a ordem de entrada
do criminoso em cena é também importante. Uma má planificação do problema
poderá conduzir a um texto difuso, em que situações não previstas
inicialmente originem mais do que uma solução. Outra situação que
origina mais do que uma solução nasce da tentativa do autor a esconder
demasiado ou de querer aumentar a suspeição sobre várias personagens. Por
vezes consegue criar tanta suspeita sobre o inocente que acaba por o
transformar também em criminoso. Hoje em dia existe
um excesso de problemas da chamada “caça ao erro”. Por serem mais fáceis de
produzir muitos autores seguem esse caminho. Tais problemas acabam muitas
vezes por ser injustos para o solucionista, que no meio de meia dúzia de erros
deixa escapar um, sendo penalizado na classificação. Problemas com um
crime, com a mera análise do que está no texto sem ter que haver conjecturas
ou especulações, são cada vez mais raros e espécie em vias de extinção. Devemos todos lutar
contra essa “maldição” que está a cair sobre a problemística policiária. Simplicidade. É
essa característica que deve ter um bom problema. Deve ser simples na
perspectiva de chaves claras e objectivas e não na de chaves expostas ao
solucionista na forma “branco é, galinha o põe”. Um problema
construído de acordo com os quatro pilares enunciados resiste a tudo. Chegado
ao topo pode o autor vaguear, recuar três passos, que o problema não desaba.
Pelo contrário, passará a mostrar a sua coerência e a dar sentido à solução. Revitalizar a
escrita dos problemas policiários é um papel que cabe a todos. Que ninguém se
retire desse dever. Escrever um texto é
um desafio que cabe a todos os que gostam deste desporto. Não se aceitam
desculpas de falta de jeito. O jeito adquire-se com o treino. Há um primeiro
problema que sai mal? Não interessa. Tenta-se escrever um segundo. A segunda tentativa
é falhada? Faz-se outra e mais outra, tantas quantas forem necessárias, que a
técnica acaba por se adquirir e um problema bom, ou pelo menos aceitável,
verá a luz do dia. Dêem largas à
imaginação. Acham que a vossa ideia cabe em apenas 10 linhas e o problema
fica pequeno? Não faz mal. Escrevam outras tantas ou mais, com elementos
inócuos para o caso, que vão dificultar a vida ao solucionista e poderão
transformar um caso simples num “verdadeiro caso”. Podem fazer-se
problemas extremamente simples com resultados desastrosos para quem responde.
Às vezes um pormenor, fundamental mas bem escondido causa imensas surpresas. Há em Portugal
muitos e bons problemas publicados, alguns deles muito simples. Os novos
autores inspirem-se neles, sem os copiar, e verão que brevemente conseguirão
escrever problemas de boa qualidade. Vamos aguardar que
uma nova leva de autores de problemas policiários avance. A modalidade está a
precisar. Esta actividade não pode sobreviver com tão pouca gente a escrever.
Novos autores trarão novos temas e situações novas. Fortaleçam a língua
portuguesa usando-a como veículo exclusivo para a comunicação, evitando
termos que usam letras em desuso nas palavras portuguesas. Temos um
vocabulário muito rico e vinte e três letras são suficientes. Um problema
policiário escrito por cada um dos concorrentes do policiário seria o
corolário perfeito da mensagem que este texto oculta. Lido o texto, fica
o desafio de encontrarem a mensagem nele inserida, explicando de forma clara
o modo como conseguiram decifrá-la. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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