Publicação: “Público” Data: 4 de Julho de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 PROVA Nº 7 (PARTE I) CONVITE FATAL Autor: Búfalos
Associados Era uma manhã
gelada de Inverno quando o Inspector Garrett foi chamado à Fraga Negra onde
ocorrera um estranho caso. Após vários dias de tempestade, uma patrulha da
G.N.R. tinha encontrado nove mulheres transidas de frio, perdidas na neve que
cobria a região. A história que contaram era quase inacreditável. A Fraga
Negra, no Gerês, é um local de muito difícil acesso, onde alguns anos antes
alguém comprara um velho castelo e o transformara de forma a poder ser habitado
com todas as comodidades. Os poucos seres vivos das redondezas desconheciam o
dono da mansão. Constava que pertencia a um tal Sr. Ónimo, que vivia em
Lisboa e nunca aparecera por lá. Na GNR de Terras de Bouro, o Inspector
Garrett, que se fizera acompanhar pelo médico e pelo Sargento Pais, ouviu as
nove mulheres: “Nenhuma delas
conhecia qualquer das outras até se terem encontrado num local que lhes tinha
sido determinado na cidade de Braga a fim de, na passada 6ª feira, apanharem
um transporte que as levaria até à mansão da Fraga Negra. Eram então dez e
todas tinham recebido um convite por escrito para uma semana de férias,
assinado por um tal A.N.Ónimo, que não conheciam, mas em termos que lhes
inspiravam toda a confiança. Depois de instaladas em dez quartos individuais
da luxuosa mansão, procuravam perceber o motivo de tão insólito convite. Aos
poucos foram descobrindo que nada lhes faltaria, embora não descortinassem
mais ninguém a não ser elas próprias. Uma delas tinha sido contratada como
cozinheira, outra como criada dos quartos e não faltavam mantimentos. A
tempestade de neve tomou proporções assustadoras e parecia que dificilmente
poderiam sair dali, tanto mais que a carrinha que as transportara desde Braga
se tinha ausentado. Sentiam-se isoladas, mas a situação parecia agradável,
apesar de tudo. Havia lareira e lenha em todos os quartos mas telefone fixo
nem vê-lo. As coisas começaram a complicar-se quando todas verificaram que,
enquanto faziam um reconhecimento pela casa, os telemóveis que haviam deixado
nos quartos, tinham desaparecido. Depois do jantar,
executado pela Alda, subitamente ouviu-se, através de uma instalação sonora,
uma voz feminina que lhes dizia mais ou menos isto: “Minhas senhoras,
silêncio por favor. Acuso-vos dos seguintes crimes: Médica Irene Veloso, em
Março de 1998 causaste a morte a Domingos Lebre. Advogada Maria Leal, em
Agosto de 1995 foste responsável pela morte de Abílio Simões. Alda Brito, em
Janeiro de 2001 envenenaste o teu patrão Luís Gouveia. Farmacêutica Joana
Roma, em 1993 provocaste a morte de Vitória Almeida. Empresária Carla Rego,
mataste em Abril de 1999 o teu sócio Helder Antunes. Actriz Eva Santos,
mataste a sangue frio em Novembro de 1995 a tua mãe Josefina. Juíza Ágata
Cristina, foste em Junho de 1990 a causadora da morte de Ana Reboredo.
Escritora Zaida Neto, mataste em Dezembro de 1998 a tua amiga Celeste Lopes.
Economista Filomena Vaz, atropelaste mortalmente e fugiste, em Setembro de
2001 uma mãe e uma filha no Cacém. Aida Croft, quando servias em casa do arquitecto
Vitorino Silva, envenenaste a sua mulher Ângela. Tenho provas de todas estas
afirmações. Acusadas: Têm alguma coisa a alegar em vossa defesa?” Seguiu-se um
silêncio gelado. As reacções foram diversas, mas acabaram por ir todas para
os seus quartos. Na manhã seguinte foram aparecendo a medo para o
pequeno-almoço. Era já perto do meio-dia quando começaram a estranhar a
ausência de uma delas. A advogada Maria Leal acabou por concluir que faltava
uma tal Ágata Cristina, nome que não lhe escapara. Dirigiram-se ao seu
quarto, bateram repetidamente e ninguém respondeu. A porta parecia fechada
por dentro. A actriz sugeriu que se arrombasse a porta, mas a escritora, que
se revelou como autora de romances policiais, impediu que tal acontecesse
pois seria melhor fazer a tentativa de contactar as autoridades. Após uma
infrutífera busca ao resto da casa e como o temporal tivesse abrandado,
decidiram então meter-se à neve. Com a ajuda de uma bússola e de um mapa
Michelin de 2005 que encontraram na biblioteca conseguiram perceber onde
estavam e embrulhadas nas suas roupas mais quentes, os pés envoltos em sacos
de plástico, meteram-se a caminho. Era quase de noite quando encontraram a
patrulha que as conduziu a Terras de Bouro. Após a acção de um
veículo limpa-neves, o Inspector fez deslocar todos até à Fraga Negra onde
começaram as investigações. Aberta a porta do quarto, o espectáculo não era
dos mais agradáveis. Em cima da cama, sobre uma enorme mancha de sangue já
seco, jazia morta a Juíza Ágata Cristina em camisa de dormir também suja de
sangue. O médico, após observação, adiantou que tudo indicava que a morte se
devera a uma enorme perda de sangue, em consequência de fracturas expostas
das duas pernas e ainda uma forte pancada no pescoço que teria atingido a jugular.
Perto da cama um atiçador da lareira sujo de sangue seco. Não foi encontrada
a chave da porta. As cinzas na lareira aparentavam ter sido queimada qualquer
coisa mais além de lenha, talvez objectos de plástico e metal. Junto à mão
direita do cadáver, um telemóvel que o Inspector Garrett, calçando luvas de
latex e após ter fotografado a cena, examinou. A última marcação, aliás não
atendida, tinha a data da passada 6ª feira pelas 23.45h e havia sido feita
para o nº 924326386. Tentando ligar para esse número do seu próprio
telemóvel (curiosamente ali havia rede) o Inspector constatou que esse número
não estava atribuído. Numa gaveta da cómoda foram encontrados dois frascos
contendo o que mais tarde foi identificado como cianeto de potássio e hidrato
de cloral. Também um revólver carregado. Sobre uma pequena escrivaninha
várias folhas de papel A4, estando uma escrita com os seguintes dizeres: “Há algumas
probabilidades de que esta minha confissão lançada ao Rio Homem, dentro de
uma garrafa, seja um dia capaz de esclarecer o mistério dos dez cadáveres
encontrados na Fraga Negra. Tenho o prazer mórbido de matar e de ver morrer.
Por outro lado sempre desejei o triunfo do direito e da justiça. Passo a
descrever como fiz para liquidar estas senhoras que, ao longo da minha vida
profissional, tive conhecimento de terem sido injustamente inocentadas.” O resto da página
estava em branco. As prateleiras da escrivaninha estavam cheias de romances
policiais. Sentados na sala, os três inquiridores trocavam impressões. – “Pais,
notaste alguma coisa comum a todos os quartos que te chamasse a atenção?” –
“Sim, – respondeu o Sargento – “Um poema afixado por detrás das portas dos
dez quartos.” –“Exacto” – continuou Garrett – “É um poema que um grande poeta
português recentemente falecido passou à escrita. Chama-se “Xácara das 10
Meninas”. Começa assim: “Era hua vez dez meninas / de hua aldeya muito probe.
/ Deu o tranglomanglo nelas / não ficaram senão nove. / Era hua vez nove
meninas / que só comiam biscoito. / Deu o tranglomanglo nelas / Não ficaram
senão oito.” E vai por aí fora até dar o tranglomanglo à última das dez. E
repararam nas dez figurinhas de barro que representam dez meninas com a cara
pintada de preto e que estão no centro da mesa de jantar? Meus amigos, acho
que já sei o que se passou. Meu Deus, isto foi como um regresso à minha
juventude. Só vos digo que o assassino merecia um prémio pois com o seu crime
pode ter evitado um morticínio.” Serão os nossos
amigos policiaristas capazes de deslindar os vários mistérios envolvidos
nesta história? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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