Publicação: “Público” Data: 10 de Janeiro de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 PROVA Nº 1 (PARTE II) HÁ CADA QUEDA! Autor: H. Rái Um homem de 68 anos
caiu do 14º andar de um hotel da capital onde estava hospedado. Encontrava-se
na varanda, manhã cedo, observando as aves e tirando fotografias quando, por
razões desconhecidas, se precipitou sobre a rua nas traseiras do hotel, tendo
falecido devido às múltiplas fracturas e perfuração
de órgãos vitais. No estômago não havia restos de refeição e as análises não
revelaram fármacos ou drogas no sangue. A testemunha que
deu o alarme afirmou que viu o corpo projectar-se e
cair desamparado no chão, quando esperava o autocarro das oito e vinte e
sete, que veio à hora certa. Foi ver e surpreendeu-se por o corpo não ter
grandes sinais do impacto nem grandes marcas de sangue à sua volta. Tinha os
binóculos ao pescoço, disse. Florbela, esbelta e
fraca figura, afirmou ter observado de relance, enquanto limpava e arrumava o
quarto, que o hóspede se manteve ocupado na varanda, observando o horizonte
com os binóculos e tirando uma ou outra fotografia, como acontecia quando ficava
no hotel. Não se lembrava da hora a que isso tinha ocorrido, mas como
começava o serviço às oito, não deveria passar muito das oito e dez quando
abandonou o quarto, porque este foi o primeiro que arranjou. De uma coisa
tinha a certeza: tudo ficou arrumado e a casa de banho limpinha. Aliás,
voltou lá um pouco depois para confirmar isso mesmo, porque a supervisora não
perdoava nem à própria mãe. O empregado do bar
do 15º andar, morador na rua das traseiras do hotel, revelou ter estado no
quarto pelas oito e vinte e picos, pois o hóspede tinha telefonado a pedir um
café, por ainda não poder ir tomar o pequeno almoço,
servido no restaurante do 1º andar. No entanto, depois de bater à porta para
o servir, ficou surpreendido por não obter resposta. Como a porta se
encontrava no trinco, entrou. Não encontrou ninguém no quarto, mas
lembrava-se de ter reparado que o quarto havia sido arrumado e, na varanda,
junto ao parapeito, encontrava-se uma máquina fotográfica sobre uma cadeira.
Esperou e não mexeu em nada. Como o café tinha arrefecido e o hóspede não
apareceu, levou de volta a chávena com o café e regressou ao bar, ainda não
eram oito e meia. A supervisora do
serviço de limpeza, moradora no hotel, confirmou que tinha ido ao quarto
depois dessa hora, quase se encontrando com o empregado do bar, para
fiscalizar o trabalho da criada de quartos, o que fazia sem avisar, pois as
criadas não eram de fiar – disse com rispidez e má cara. Quando entrou, não estava
ninguém no quarto. Deixou a porta aberta como de costume, pois o regulamento
a isso obrigava e ela mesma o exigia ao seu pessoal. Já há imoralidade
suficiente por aí – afirmou. Lembrava-se de que, na varanda, junto ao
parapeito, encontrava-se uma máquina fotográfica sobre uma cadeira. Embora
achasse que o quarto ficou limpo e arrumado, não deixou de ralhar com a
criada, porque não admitia que ela tivesse deixado um pêlo
da púbis no lavatório e a chave magnética no interruptor geral da electricidade do quarto. O gerente do hotel,
um homem de gostos bizarros, morador no Bairro do Alvito, afirmou que o
hóspede ficava amiúde no hotel e preferia sempre aquele quarto. Se este não
estivesse livre, reservava para mais tarde, o que era estranho, pois ele
morava precisamente no prédio nas traseiras do hotel. De qualquer maneira,
estava pesaroso por o homem estar morto, sendo uma figura tão máscula e
encantadora, apesar da idade, e gostar tanto de observar e tirar fotografias
aos passarinhos. Foi visitá-lo pouco passava das oito e um quarto e, após uma
breve discussão, como o momento não era o mais propício, saiu como entrou. Afinal, a máquina
fotográfica sobre a cadeira registava apenas uma foto, tirada às 08:28:47
desse dia, retratando a nudez da vizinha do quarto do outro lado da rua em
frente ao quarto do hóspede. A videovigilância
do hotel confirmou a cronologia dos factos relatados pelo pessoal do hotel. Quem mentiu matou
ou quis ilibar o autor. E quem o fez foi: A – A criada de
quartos, porque afirmou que o hóspede tirava fotografias às aves e, na
máquina, não havia qualquer ave fotografada? B – O empregado do
bar, porque disse que bateu e entrou, pois a porta estava no trinco, e uma
vez no quarto não mexeu em nada? C – A supervisora,
porque o lavatório não é lugar onde apareçam pêlos
púbicos e apenas pretendia incriminar a criada e proteger o gerente? D – O gerente,
porque tinha gostos bizarros, afirmou que discutiram, mas omitiu que o
hóspede não foi em conversas e, por isso, lançou-o da varanda abaixo? |
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©
DANIEL FALCÃO |
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