Publicação: “Público”

Data: 4 de Abril de 2010

 

 

Campeonato Nacional 2010

Taça de Portugal 2010

 

Provas

 

 

Parte I

1

Parte II

 

 

Parte I

2

Parte II

 

 

Parte I

3

Parte II

 

 

Parte I

4

Parte II

 

 

Parte I

5

Parte II

 

 

Parte I

6

Parte II

 

 

Parte I

7

Parte II

 

 

Parte I

8

Parte II

 

 

Parte I

9

Parte II

 

 

Parte I

10

Parte II

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010

 

PROVA Nº 4 (PARTE I)

 

NA ÚLTIMA FRONTEIRA

Autor: Karl Marques

 

– Comandante, posso retirar o corpo?

Mavock estava distraído, o que era raro, muito raro, e não se apercebeu logo da pergunta…

– Comandante?

– Pode. A hora da morte é mesmo impossível de determinar?

– Lamento.

Estavam na enfermaria onde o exame indicara já causa da morte; não que houvesse grandes dúvidas – fora por perfuração do abdómen, directamente no coração. A arma do crime não fora encontrada.

Mavock saiu da enfermaria e dirigiu-se à ponte. Na sua cadência regular percorreu rapidamente o percurso.

– Tenente Gomez, já me pode fornecer dados sobre a arma do crime?

– Sim, comandante.

– Prossiga.

– Trata-se de um objecto, com pelo menos 8 centímetros de superfície cortante. Os dados disponíveis coincidem com três armas registadas a bordo: uma Marsulan, uma Kiurtan e uma Tentyam. Eu apostaria na Tentyam…

– Apostaria?

– Sim… – Gomez ficou baralhado, mas percebeu rapidamente, Mavock não era o seu primeiro comandante vulcano. – Chamo a atenção para o facto da arma Tentyam se encontrar na posse de um Tentyam que já tinha tido um problema no passado com a vítima.

O corpo fora descoberto pelas 20 horas, referência da nave, e no quarto pouco se achara. A vítima viajava com pouca bagagem e escassos objectos pessoais.

Os três portadores das armas estavam a bordo por razões diplomáticas, embora nenhum tivesse esse estatuto oficialmente, representando civilizações que só muito recentemente começaram a cooperar com a Federação. Os Kiurtan tinham evoluído a partir de lagartos e isso ainda causava confusão a muita gente, espécies sensíveis que punham ovos. Os Marsulan eram fisicamente semelhantes aos terrestres e os Tentyam destacavam-se sobretudo pelos seus grandes pescoços. Já a vítima, um Scosselan, era de um grupo ainda muito mal conhecido pela Federação pois, apesar de já dominarem a capacidade de navegação espacial, até um contacto fortuito com a Federação nunca haviam tomado contacto com o exterior do seu sistema. O indivíduo em causa era conhecido por ser um cientista no seu planeta e a sua presença a bordo relacionava-se precisamente com os contactos interplanetários com outras espécies de seres sensíveis, pois, até agora, a vítima fora dos maiores defensores de manter outras civilizações afastadas.

Como a aposta do Tenente Gomez conseguia ser a opção mais lógica, Mavock dirigiu-se aos aposentos de Gyaff, o Tentyam. Mesmo porque Mavock sabia que tinha de ser rápido: por razões diplomáticas não podia reter os três portadores das armas sem razões válidas e faltava apenas cerca de uma hora para eles abandonarem a nave, na estação espacial para onde a nave se dirigia.

Mavock interrogou o Tentyam:

– Esteve no quarto da vítima?

– Estive de facto com ele no seu quarto.

– Entre que horas?

– Julgo que cerca das 18 horas. Por pouco tempo, no máximo 15 minutos.

– Para?...

– O meu Governo tinha-me instruído para encetar contactos com a civilização da vítima.

– Como é que ele lhe pareceu?

– Curioso que me pergunte isso. Pareceu-me cansado e nervoso, até o aconselhei a ir à enfermaria, mas a espécie dele não lida bem com a inteligência artificial, e sendo o vosso médico um holograma… Parecia no entanto satisfeito, pois conseguira finalmente resolver o problema inter-civilizacional da fórmula resolvente para qualquer caso polinomial de expoente 7.

– Foi a última vez que o viu?

– Sim.

– E antes disso, onde estava você?

– Estava num bar na companhia de Passav e Suap, o Marsulan e o Kiurtan.

– Desde que horas?

– Cerca das 17 horas.

– Pode-me dizer se é portador neste momento da faca com que entrou a bordo?

– Não, não sou. Vendi-a a um Ferengi, Morg, durante esta manhã.

Morg, lamentou Mavock, já não se encontrava a bordo. Era comandante da sua própria nave, já saíra e não se sabia para onde rumara. Mesmo assim, Mavock contactou Gomez.

Mavock olhou em volta. Já conhecia essa característica daquela espécie, mas mesmo assim não esperava um quarto tão desprovido de objectos.

Seguiu-se a visita a Suap, o Kiurtan.

– Esteve durante o dia de hoje no quarto da vítima?

– Não, não estive.

– Quando foi a última vez que o viu?

– A última vez que o vi? Vi-o no corredor, pouco passava das 18 horas. Tinha estado em conversa com Gyaff, o Tentyam e Passav, o Marsulan, num dos bares, até por volta das 18 horas. Fui o primeiro a sair, mas o Tentyam, apercebi-me, seguiu-me quase de imediato pela mesma porta poucos segundos depois. À saída do corredor encontrei o falecido em conversa com o comandante Data. Mas não conversei com ele.

– Desde que horas estava nesse bar nessa companhia?

– Sensivelmente desde as 17 horas.

– Pode-me dizer se é portador neste momento da faca com que entrou a bordo?

– A minha faca desapareceu durante a minha estada aqui.

– Informou alguém do facto?

– Não o fiz. Não me pareceu útil.

Mavock lamentou que o comandante Data tivesse sido teletransportado para a sua nave ainda antes da descoberta do corpo. Seguira em warp máximo para uma missão junto dos Borg. Não seria possível contactá-lo no tempo que tinha disponível.

Mavock olhou em volta pelo quarto. Alguns objectos pessoais, assim como pinturas (a sua espécie não apreciava fotografias e tão pouco vídeos) de, provavelmente, familiares.

Seguiu-se a visita a Passav.

– Esteve hoje no quarto da vítima?

– Sim, estive no seu quarto pelas 18h30. Ele tinha-me informado que o seu Governo estava aberto e encetar relações diplomáticas com o meu povo. Ele parecia-me bem. Descontraído e feliz por ir-se embora tão em breve. Foi a última vez que o vi. Antes disso eu tinha estado na companhia dos representantes dos Tentyans e dos Kiurtans, durante cerca de hora e meia, sensivelmente, desde as 17 horas. Havia-me despedido deles poucos minutos antes de me encontrar com o falecido… parece surpreendido?

– Surpreendido, eu?

– Sim… Em todo o caso, mais alguma questão?

– Sim, a faca com que entrou na nave, ainda a tem?

– Ah, não… Perdi-a ontem ao jogo para um Ferengi.

Olhou em volta… mais um que viajava com pouca bagagem. Um papel em cima da mesa, na língua Marsulan: ‘0,1,2,3,4 há, 5,6,7,8,9,10… não’. Ainda duas peças de artesanato tradicional do seu planeta de origem. Uma representando a constelação onde fica o planeta Marsulan e outra a representar uma cena de luta tradicional.

Gomez contactou Mavock naquele momento.

– Comandante, confirma-se que Morg abandonou a nave por volta das 19 horas, na posse de três armas: uma Tentyam, uma Kiurtan e uma Marsulan.

Mavock seguiu até à ponte de comando. Dentro de 15 minutos iam chegar à estação espacial. Mas ele já sabia quem ia e quem não ia sair naquele momento.

 

© DANIEL FALCÃO