Publicação: “Público” Data: 21 de Novembro de 2010 Campeonato Nacional 2010 Taça de Portugal 2010 Provas
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CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2010 SOLUÇÃO DA PROVA Nº 10 (PARTE I) A VOZ DO DESTINO Autor: M. Constantino O problema tem duas
partes distintas. A primeira, dedutiva – sem dúvida a mais importante – a
segunda, quanto a nós, meramente valorativa, depende do trabalho de pesquisa
do investigador solucionista. O primeiro passo
para iniciar a dedução é conhecer a data dos acontecimentos. Sabemos que o
ano é 2010, mas há que procurar dia e mês. O personagem, depois da
“representação” de servente de pedreiro, visita Salomé (“hoje”) e dá-lhe
conhecimento que o joalheiro Costa vai para o Algarve durante três dias com a
noiva e tenciona roubar o diadema “depois de amanhã”, à meia-noite, pelo que
deve estar em casa para lhe fornecer álibi, se necessário. Sai aborrecido
pois a esposa não estava disposta a colaborar (isto passa-se no primeiro dia,
que designamos por “hoje”). No dia seguinte (segundo dia, “amanhã”) sabe que
ela cancelou os espectáculos, fica satisfeito
porque pensa que ela deve ter reconsiderado e vai visitá-la, descobrindo a
dupla traição (matrimonial e denunciante do roubo). Exasperado, pensa
em vingança. É homem ofendido. No terceiro dia, isto é, “depois de amanhã”, o
dia designado para o roubo, aparece na vivenda com, pelo menos, quatro
testemunhas (se não contarmos com a esposa): o carro deixado frente à
vivenda; o testemunho dos vizinhos mediante o truque da pedra atirada à
casota do cão; o empregado do restaurante que leva o jantar; e o telefonema
do impaciente Vicente que todo o dia vigiou o estabelecimento até depois da
meia-noite, sem que o ladrão aparecesse até então e sabe com surpresa que ele
está com Salomé desde as 21 horas. No dia do
proclamado roubo – “depois de amanhã”, foi dito – se bem se observar, o
personagem, além de provocar o polícia representando o carteiro da zona,
porque tinha tempo, tencionava – mas desistiu – assistir ao desfile de
máscaras no Rossio, o que indirectamente conduz o
decifrador para o Carnaval – aliás, já antes, com o dia de S. Brás (13º antes
do Carnaval) se indiciara essa hipótese. Mas o nosso
investigador-solucionista não é parvo, pensa lá com os seus botões que é
demasiada lenha para tão pequeno fogo e vai procurar alternativa. E quem
procura, sempre alcança: o Desfile das Máscaras Ibéricas, evento que se
realiza em Lisboa, noticiado pelos órgãos de informação escrita, falada e televisiva,
conheceu a sua edição em 22 de Maio, sábado, pelas 18h30, no Rossio! Eis o
desfile de máscaras, com horas e tudo, que vai coincidir com a data do roubo
(terceiro dia, “depois de amanhã”) em que o personagem tem imensas
testemunhas. A partir desse dia, contando 69 dias, pela contagem do Chefe
Diogo – este não pode esquecer os dias em que irremediavelmente foi
substituído pelo Vicente na Esquadra Central – ficamos assim a saber que
tomou posse no dia 15 de Março de 2010. Qual a importância
da data no contexto do problema? O solucionista fica a saber que um dos erros
do personagem foi deixar o “croquis” da Ourivesaria da Moda para acusar o
rival feito na folha branca do bloco oficial que estava na secretária, por
não se aperceber que fazendo coincidir o recorte da folha com o que ficou
agarrado ao bloco, apura-se que a ele pertence e, confirmado isto, forçoso é
reconhecer que se trata de uma armadilha, pois Vicente, no dia de S. Brás, 3
de Fevereiro, não estava ainda na Esquadra Central e, naturalmente, não teria
o bloco com o símbolo dessa unidade. Depois desta
falsidade, todos os dados, outro “croquis” e datas dos roubos são propósito
de incriminação. O facto de deixar a
porta no trinco, depois de a encontrar bem fechada, não chega a ser erro,
pois Vicente, que podia contestar o facto, estava detido e nada diz que
tivesse ido a casa e verificado a anomalia, aliás, se tivesse ido a casa
encontrava as “provas incriminatórias forjadas”… Erros, porém, são vários,
próprios de uma mente demasiado perturbada. Ter-se vestido de carteiro e
exibir-se (sem que o outro notasse, é verdade) naquele dia, foi falha grave,
pois os carteiros normais não distribuem correspondência ao sábado. Outro
erro foi o de ter embrulhado o diadema num bocado do jornal PÚBLICO (tentativa
de fazer crer que Vicente enviara a jóia pelo
correio em vez de chocolates) deixando a outra parte no cesto dos papéis que
a polícia iria revolver. Erros são também ter enforcado Salomé (depois de a
ter esganado, facto facilmente confirmado pelas marcas detectadas
no braço e deixadas pelo cachecol, bem assim o facto de não se ter lembrado
que ao prender os pulsos deixou marcas e, cúmulo da distracção,
ao lavar o sangue, sabendo-se que este pode ser detectado
por infravermelhos ou ultravioletas, como também pode ser determinada a
proveniência (uterina, nasal, etc.). É preciso pôr mais na carta para acusar
o personagem? Muita água deve ter
passado pelos “moinhos” dos solucionistas sobre a hipótese da “chave” estar
no quadro – pequena “traição” do autor. De qualquer modo, o quadro tem a ver
com o Vicente. Na verdade, os De Hory eram
proprietários de vastas terras e vinhedos na Hungria, quando ali se instalou
um governo comunista (1919). Refugiaram-se na Europa Ocidental. Elmyr, o jovem filho estudante, foi internado num campo
de concentração político nos Montes Cárpatos. Catapultando para fora da vida
regrada, com talento artístico, homossexual, bem-falante, chegou até Paris e
viveu em Montparnasse com artistas da época. Com ardis e
cumplicidades, passou pela Europa, Brasil e chegou aos EUA. Fazia-se passar
por herdeiro nobre (barão Houry, Herzog, etc.),
servindo-se dessa fachada para vender, por si próprio ou em cumplicidades,
pinturas e quadros (que desenhava) que confundiam os peritos experimentados.
Picasso, Renoir, Modigliani, sobretudo Matisse, pelo tema das flores. Figura com flores rendeu 60 000 dólares; Senhora com flores e romãs, vendido a um museu de Howard; Mulher com limões e flores, adquirido
por um magnata do petróleo… Observa o seu
biógrafo, o consagrado escritor Clifford Irving, que, inconscientemente,
chegava a copiar as suas falsificações. Será o quadro em poder de Vicente que
terá sido entregue a um familiar seu, aquando da sua presença em Portugal: em
1962, quando vivia no velho Estoril Palace Hotel;
em 1965, quando fugiu de Ibiza para o sul de Portugal… O maior
falsificador do século XX ganhou milhões de dólares. O jornal Le Fígaro avalia em 60 milhões, entre
1961 e 1967, mais de 180 milhões nos EUA, ao todo mais de 500 milhões (quanto
valeria hoje?), para morrer pobre, cerca de 1969. Nunca usou um só título da
vasta colecção de Matisse.
Elmyr não copiava o quadro, mas sim o estilo, de
modo a parecer um quadro do artista. É tempo de
terminar. Não esqueçamos o roubo do diadema. Lembra-se o leitor dos
telefonemas das cabines públicas? O personagem só queria confirmar que Costa
fora realmente para o Algarve e que Vicente estava de piquete. Depois da
visita a cada um destes, entrou na joalharia, antecipando o dia anunciado,
por virtude da denúncia. Levou a jóia e deixou a
armadilha. Ferramentas do roubo e porta em situação de ser aberta por um
ansioso polícia (pensou que se não aparecesse, Vicente iria verificar), não
esquecendo de ligar os alarmes que previamente desligara… |
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©
DANIEL FALCÃO |
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